Ter, 26/11/2019 - 01:35
No sábado, em Bragança, um espanhol de barba branca e farta, de seu nome Javier Andrés, disse a quem o quis ouvir que a cooperação transfronteiriça não tem ido além de cerimónias enfatuadas e festarolas, quando deveria ser encarada como esperança derradeira para comunidades que estão à boca do abismo sem retorno.
Reflectia-se sobre a condição dos que sobram nos territórios raianos, apesar das decisões políticas de figurões alapados em Madrid e em Lisboa. Javier Andrés não escondeu pessimismo relativamente ao que trará o futuro próximo. Lembrou que, nas zonas raianas, parceiras na desgraça, não se notam efeitos de cooperação no quotidiano das gentes que, afinal, continuam com os olhares ansiosos voltados para as respectivas capitais ou para centros secundários, também eles a dançar ao ritmo da música centralista.
Exemplificou: entrando no território português, à mesa de almoço não encontrou nenhum vinho espanhol na carta do restaurante; se fizermos vinte quilómetros em território espanhol conheceremos o reverso da medalha, porque do lado de lá também não encontraremos nenhum vinho português para regar o repasto.
Aparentemente insignificante, a situação é a expressão de que a vida real continua a afastar-nos em vez de nos aproximar. O comunicador, a viver em Salamanca, alertou para um problema ainda maior, que atrapalha a comunicação dos dois lados da raia, a resistência dos espanhóis em lidar com a língua portuguesa, apesar da capacidade de adaptação que se nota do lado de cá. Defendeu mesmo ser incompreensível que não se caminhe para o bilinguismo nas escolas destas regiões, o que traria outros níveis de relação e resultados práticos.
A nossa história comum nem sempre foi condicionada por fronteiras e preconceitos. Basta lembrar que nos séculos XV e XVI, mesmo depois de Aljubarrota e de Tordesilhas, a mobilidade transfronteiriça era habitual. Nos últimos quatro séculos, a partir de 1640, em nome de desígnios alheios aos portugueses e a todos os da Hispânia, os poderes na península foram cedendo às pressões de potências estranhas e às modas nacionalistas.
Assim se elevaram muros invisíveis mas incontornáveis, que nos tornaram mais dependentes das migalhas dos poderes centrais. O distanciamento cresceu até há três décadas, quando os dois países entraram na União Europeia. Acreditou-se que a partir de então outra seria a nossa história comum. Mas havia um caminho exigente à nossa espera e a situação a que se chegara prometia pouco porque já estávamos em profunda recessão demográfica, com estruturas produtivas debilitadas e uma fortíssima atracção dos grandes centros sobre as novas gerações, que não dá sinais de reversão.
A título de exemplo, Bragança e Zamora estão geminadas há mais de 35 anos e são quase insignificantes os efeitos dessa aliança no dia a dia das duas cidades.
A nova secretária de Estado para a Valorização do Interior diz ter consciência do problema e que será a interlocutora para o desenvolvimento da cooperação transfronteiriça, o que poderá constituir um primeiro passo na busca de outros caminhos. Veremos se ainda há tempo.