Ordem dos Advogados

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A Ordem dos Advogados é uma associação pública profissional que tem, de entre as suas atribuições, como hierática,a defesa do Estado de direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Trata-se de um princípio ordenador básico, que precede a tudo o mais. O artigo 3 dos EOA consagra-o; assim sendo a “ Grundnorm” do Estatuto, em sentido lógico, ontológico e deontológico. É norma de natureza constitucional, articulando-se com os artigos 1 e 2 da CRP. É também norma narrativa, enquanto usada para interpretar, iluminar todas as restantes normas do Estatuto; aplica-se, pois, como inspiração, guia, teleologia, indicando o caminho, o objectivo. A “ leitura moral “ da alínea a) do citado artigo 3.º, propõe que todos nós “interpretemos e apliquemos esse dispositivo abstracto considerando que ele faz referência a princípios morais de decência e justiça”. Há um carácter explícito do seu conteúdo axiológico, para usar uma expressão de Alexy para outro contexto. Essa robustez com respeito a valores é, pois, incompatível com uma qualquer declaração meramente retórica, formal e abstrata, privada de todo o conteúdo real, como que num exercício pueril, estéril e desacreditante de positivismo normativo. O citado artigo não contém uma mera declaração ética, merecedora, tão só, de um olhar contemplativo; é necessário que as palavras tenham importância causal. Citando, dir-se-á que a sua perfeição abstracta não pode ser o seu defeito prático.

“ Leges sine moribus vanae “

Acontece que, a comunicação social, de há muito, vem dando à estampa, de forma persistente e impiedosa, mas não menos louvável, notícias de ominosas condutas de “gente respeitável e com elevado estatuto social” no desempenho de cargos políticos ou de alta responsabilidade na administração pública. Trata-se de sinais próprios de um Estado timocrático, por um lado, e tiques de um Estado criminógeno de colarinho esbranquiçado encardido, por outro. Este eterno retorno à corrupção e tráfico de influências tem como seguros aliados a incapacidade de metanóia dos protagonistas e, por fatalismo e resignação, a letargia serena e prazenteira da sociedade civil; tão próprias de um país civicamente inculto e doentiamente tolerante, afinal, descrente e desconfiado da eficácia das sanções informais de controlo social e,assim, amigo da”cultura de corrupção“. A associação pública profissional Ordem dos Advogados, pelas específicas atribuições estatuárias, pelas funções que desempenha, pelos fins que persegue e pela respeitabilidade que deve merecer, não pode, não deve,” suportar um desconfortável e indigno altum silentium“. Se um Estado com aqueles sinais e tiques convida à delinquência, uma Ordem assim complacente, brumosa e errática, convida à incompreensível tolerância. As condutas repetidamente noticiadas são subsumíveis em ilícitos criminais que põem em causa a realização do Estado de Direito, constituem uma ameaça para a Democracia e os Direitos do Homem, minam princípios de boa administração, da imparcialidade da actuação administrativa, equidade e justiça social, e falseiam a concorrência e os fundamentos morais da sociedade. A denominada “Operação Marquês “atingirá, presumivelmente, o exemplo mais dramático e flagrante, o ponto “crucis“ da administração danosa da “coisa pública“. Ilícitos aqueles que legitimam, até, qualquer cidadão a intervir no processo penal na qualidade de assistente. Acontece que vige, desde os idos de 2005, uma deliberação / recomendação do Congresso da Ordem dos Advogados, no sentido da constituição da Ordem dos Advogados como assistente, em processos criminais em que os bens jurídicos tutelados com a incriminação sejam, precisamente, os supracitados. O Bastonário tem o dever estatuário de dar seguimento às deliberações do Congresso. O Bastonário assumiu, recentemente, louvável posição sobre o tema, em artigo de opinião a propósito da condenação pelos tribunais franceses do ex-Presidente Sarkozy. Vai ou não, então, a Ordem cumprir-se axiologicamente, ou, ao invés, adiaforizando a consciência, prefere continuar a manifestar uma insuportável indiferença cívica, neutralidade ética e de valores? Vai ou não a Ordem requerer, exemplarmente, a sua constituição como assistente - ”direito que radica em razões de inquestionável dignidade axiológica“ - , por exemplo, no processo denominado “Operação Marquês“, ou, em contrário, prefere manter-se num silêncio aviltante, deslustroso, num amorfismo desonroso ?

 

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