Arrepios em tempo de São João

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Ter, 25/06/2019 - 11:31


Afinal o Verão trouxe frio e chuva, em vez dos dias tórridos do fim do mundo, apocalipse pronto a vestir a cada manhã, mesmo que as flores não pareçam querer render-se à tragédia.

Nos últimos dias voltaram ‘ratchos’ às lareiras, provando que há um saber popular, de experiência feito, que sempre nos espantou com a sentença, meio séria, meio brejeira, “para o São João guarda a velha o melhor tição”.

Dos arrepios no corpo não vale a pena fazer drama, portanto. Mais mal nos saímos dos arrepios da alma, que também se fazem sentir quando esperávamos algum alívio do inverno duro que nos tem marcado as últimas décadas, todos os dias das vidas que tentam encontrar forma de acreditar no futuro.

É verdade que a água não deixou fazer a festa em várias localidades no último fim-de-semana, nem sequer as procissões, com muitos andores, puderam dar nas vistas e alimentar orgulhos bairristas. Mas o sol virá, por Julho e Agosto, e há-de haver noites cálidas, propícias ao enleio de corpos e sorrisos marotos, ao ritmo das mesmas “bandas” que agora tiveram que encartar o estojo.

Não esteve nos largos das festas, nem estará daqui a uns dias, gente nova, como se viu noutros tempos que não voltam, por mais que algumas lágrimas turvem os olhares.

Esse é o verdadeiro arrepio, que nos deixa gelados, porque já nem nós admitimos a inversão do rumo que tem vindo a ser imposto ao país, acomodado a destino sombrio. Está instalada a convicção de que não há forma de alterar a situação, apesar das “boas intenções” que já encheriam três infernos. Não o querem os responsáveis políticos, de todas as cores, mas também não se sobressaltam os portugas, da alta ou da baixa.

É comum ouvir, em múltiplas falas com auditório, a resignação refastelada dos que não têm horizonte para cá de Sintra nem para lá da Costa da Caparica. Alegam que não se vê como as coisas possam mudar, num apelo para que o marfim continue o seu curso, sem incómodos éticos ou cívicos que lhes abanem a consciência, como se o mundo, o país ou a vida não passassem de realidades determinadas por uma qualquer entidade intangível, mas irresistivelmente esmagadora.

E assim vão assistindo de palanque, os responsáveis políticos e os outros, à degradação paulatina do que resta das comunidades territoriais, espectáculo para que convocam, divertidos, os papéis penosamente ridículos a que se prestaram alguns dos de cá, tão lisboetaços como os de Lisboa, que nos foram deixando em vergonha quando se enredaram nas jogatanas da roleta de ilusões, em vez de se reservarem o direito de não sujar as mãos na batota instituída.

Vemo-nos, por isso, na condição miserável de não sermos tidos em conta para coisa nenhuma, nem mesmo no que à nossa vida simples respeita e, ainda por cima, sermos objecto da desconsideração boçal dos meninos queques e da sua claque de admiradores basbaques, categoria onde encontramos os que se venderam aos diabos da vaidade, da cobiça e da soberba, tornando-se objecto de chacota de qualquer paspalho.

 

Teófilo Vaz