Travessuras atravessadas

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S e são travessuras, são atravessadas, diria o Senhor de La Palice. O que não podia afirmar era serem estes arremedos de construções derribadas movidos pela maldade ou vandalismo ora tão em voga na sociedade portuguesa. As travessuras praticadas nas aldeias do concelho do Vinhais atravessam alfaias agrícolas, barrotes, carros de bois e vacas, cancelas, troncos, e demais parafernália existentes nos cabanais, eiras, quintais e cortinhas das comunidades, numa aleluia silenciosa da noite da véspera do dia de Todos- -os-Santos numa harmonia irregular de modo a suscitar imprecações em chorrilho pelos visados e visadas, numa ingenuidade festiva daqueles mundos circulares que Michel Foucault tão bem descreveu numa folia pálida levando em conta as folias desbragadas registadas genialmente por Hieronymus Bosch e Peter Bruegel. A rapaziada construtora nas trevas de travessuras tinha atingido o estatuto de poder andar na rua sem a ameaça da famigerada galha morigeradora da curiosidade dos «garotos» sempre atreitos a meterem o nariz para onde não são (eram) chamados. Os meninos na manhã seguinte, ao raiar da aurora, saíam de levando na destra um «canoco» de pão, gritavam (gritei) alvoroçados, a chamarem toda a parentela a admirarem o engenho dos criadores de efeitos quantas vezes descalavrados antes de correrem toda a aldeia a fim de contemplarem a efémera volumetria dos objectos apresentados ao modo de semióforos fora do circuito dos museus. A festa das travessuras fez parte da feliz vivência em Lagarelhos, já poucos elementos restam dessa época, não sei se há registos das referidas folias, pelo menos as abóboras ainda resistem, para lá da sua utilidade alimentar de humanos e animais de várias espécies, as meninas abóboras mais as suas irmãs de maior idade serviam como instrumento de amedrontar miúdos e alguns graúdos ao serem transformadas em máscaras ambulantes, tendo dentro de uma vela acesa, as quais giravam no negrume nas noites sem Lua, mais densas do que as mencionadas no livro sagrado – a Bíblia –, espetadas em paus aguçados fazendo percursos ora rápidos, ora lentos nas cercanias das povoações por que não existia electricidade imperavam os medos/medonhos, pavorosos, nas mentes crédulas das crianças e não só, da mesma forma que os fantasmas aterrorizavam os visitantes a dormirem nos castelos medievais escoceses. Um dos malefícios da electricidade na Escócia foi a de extinguir os fantasmas, embora persistam referências a estas estranhas criaturas a suspirarem nos corredores das fortalezas dedicadas ao turismo de excêntricos endinheirados amantes do single malt, pois ao invés dos blended estilo DYC provocavam e provocam alucinações fantasmagóricas de moleza nos lençóis a trazerem à tona usuais nos bons tempos da juventude originários de lágrimas e suspiros corporizados na canção dos anos sessenta do século XX, cantada por António Mourão. Lembram-se? Acerca dos efeitos translúcidos do malte (sei do que escrevo e às vezes falo) nesta crónica é mais assisado não prosseguir, ouvi falar na recuperação do fagueiro bagaço (alcunha de um rapaz nascido nos Batocos), bebida muito requestada até à chegada do corriqueiro uísque em grande parte consequência da forçada e mortífera estadia de dois milhões de rapazes na «força da idade) na obscena guerra colonial. As travessuras em 2021 fazem-se na opacidade dos gabinetes, reservados de restaurantes e locandas de luxo de gosto decorado a granel, de tempos a tempos, as atravessadas travessuras rebentam na comunicação social constituindo o sumo da imprensa amarela, os despojos das derrocadas jazem largos anos em edifícios marcados por estátuas de mulheres de olhos vendados, no entanto, as vendas parecem ser porosas nuns casos, espessas qual burel molhado noutros. Caro leitor: faça o favor de desculpar o autor destas desajeitadas cogitações fruto da insónia provocada pelo gasto de largas horas a ver e ouvir deprimentes intervenções dos Honoráveis no Parlamento a propósito do recusado (e bem) Orçamento. Aqueles apelos lancinantes dos tenores socialistas apenas me suscitam duas palavras: Porca miséria! Ridículo o inefável Ascenso Simões a glosar o Avante camarada. A culpa mão é dele, é de quem o elege!

Armando Fernandes