A mendicidade

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Face à mendicidade, cada um de nós é regularmente solicitado, sente-se incomodado ou não, dá uma resposta refletida ou impulsiva, sem ser fácil nomear o que fazemos ou não. 
Alguém tem uma receita ou doutrina quando cruza um mendigo na rua? Coloco-me esta questão sempre embaraçosa e frequente quando passo à sua frente aqui ou ali, cada vez com mais frequência.
Observo os que passam e têm mais ou menos o mesmo comportamento que eu. O que fazer? Frente aos comércios, restaurantes, lugares turísticos, igrejas, nos semáforos cruzam-se homens e mulheres acompanhados de crianças, de animais, sentados ou em pé, por vezes algo afetados mentalmente. Cada um com a sua forma diferente de abordar os transeuntes.
O que se pode fazer ? Antigamente o mendigo tinha sempre um défice cognitivo qualquer e era alvo de brincadeira ou troça, contudo parecia-nos um ser alegre. Agora aparecem-nos cada vez em maior número, sobretudo nos grandes meios urbanos, é porque a precariedade aumenta ou será uma simples impressão por se encontrarem em lugares de passagem? Sem quaisquer restrições, a mendicidade só se torna delito se for desenvolvida de forma agressiva e sob ameaça dum animal perigoso, o que não se revela ser frequente.
Cada um de nós é portanto regularmente solicitado, encontra-se incomodado ou não, dá uma resposta refletida ou impulsiva, sem que seja fácil nomear o que fazemos ou não como já referi. Não existe, em meu conhecimento, nenhum estudo ou inquérito sobre os que dão, talvez haja algum estudo de terreno do Instituto de Filantropia sem projeção ou interesse para o grande público. 
Tentei fazer a minha pequena pesquisa e inquérito pessoais perto das pessoas que conheço aqui e nos centros urbanos maiores. 
Na rua, o seu ponto comum é não dar nunca dinheiro às crianças a fim de não encorajar a sua exploração. Assim, cada um pratica-o à sua maneira anteriormente refletido em função do humor do dia. Um não dá nunca na rua sem se encontrar num determinado estado de espírito. Muito generoso além do mais, acha que é um dever dar, sente-se outro por ser responsável pelo que deu. Outros escolhem dar sempre às senhoras, ou ao contrário, nunca dar às senhoras ou sempre e exclusivamente aos músicos. À saída da igreja ou da pastelaria ao lado, os fiéis sentem a obrigação de fazer uma boa ação.
Não conheço ninguém, apesar de isso existir, que agrida um mendigo pelas suas observações despropositadas, mal- intencionadas ou agressivas, mas a indiferença ou o facto de passar ao lado evitando o olhar ou negando a existência da pessoa podem constituir uma forma de agressão. Esta indiferença é uma máscara de cada um de nós, pois é raro que a presença dum mendigo não suscite qualquer reacção- seja ela negativa – seja ela positiva.   
São mais os sentimentos do que a razão que determinam o ato de dar ou não dar. Estes têm a ver com a relação que se prende com o olhar, com os gestos, com as palavras. Uma vez que o medo ou a desconfiança se encontram ultrapassados, quando o diálogo acontece, é por vezes um bairro inteiro que adota um mendigo, um arrumador, assegurando-lhe uma forma de sobrevivência, levando-lhe comida ou roupas quentes mais do que dinheiro. Afeto também: um deles a quem desapareceu o cão ou o gato vê-se ser-lhe oferecido outro em pouco tempo. As crianças gostam de dar apesar de terem que ultrapassar o seu medo ou não compreendem que não se lhes dê nada. Estamos longe do altruísmo eficaz.
Li em qualquer lado que é preferível salvar dez vidas lá no fim do mundo a salvar a dum próximo. Porém, fazer o bem à distância não impede que nos sintamos mal perante a miséria dos mais próximos que não têm nada a ver com os nossos estados de alma. Espero que ao ler estas linhas, não continuem a ver os mendigos da mesma forma.

Adriano Valadar