Vendavais - A Vergonha não é combustível

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Não fosse a ajuda celestial e a solução para o problema gravíssimo que o país vivia não chegaria certamente pela mão dos homens. Estes viram o país a arder, por entre arrepios de dor e lágrimas de sangue, sem soluções apesar do muito esforço de alguns. Esforço meritório de quem, no meio das chamas infernais, lutava contra o demónio, tentando impor-lhe um travão que pouco resolvia. Razões? Culpas? Porquês?
Tremenda ignomínia e insensatez na apoucada inteligência de quem no obscurantismo do seu parco pensamento, o resolve iluminar com o fogo infernal que tudo destrói e mata quem não tem culpa de nada. Esta realidade é muito triste, mas é a realidade. Desolação. Dor de alma consentida. Atrasada, a ajuda veio dos céus em forma de gotas, breve e mansa, mas eficaz. Aqui, pode sobrepor-se uma questão de alguma forma pertinente. Porque razão os fogos surgiram quase todos ao mesmo tempo, um pouco por todo o centro do país, quando se anunciou que iria chover dentro de dois dias? E ainda podemos perguntar, quais as razões que estão subjacentes ao facto de todos ou quase todos os fogos, terem começado por volta da meia noite? Será que já alguém sabe a resposta a estas questões? Eu quase tenho a certeza de que muitos as saberão, mas paira no ar uma vergonha tão intensa que não há a coragem para desabafar.
É pena que a par de toda esta miserável panóplia de acontecimentos tenham sucumbido 44 vítimas que não tiveram culpa alguma da culpa que motivou alguns mentecaptos que, ou por interesse e motivação próprias ou de terceiros, se prestaram a incendiar um país lindo, com o qual eles não se identificam certamente, mas que é o nosso há muitos séculos. Que motivações estarão por detrás desta ações tão ignominiosas? Negócio? Interesses económicos? Vinganças surdas?
O meu orgulho está a arder. É pena que a vergonha não seja combustível. Podia virar-se o feitiço contra o feiticeiro! Mas a vergonha não arde. Lamentavelmente. Acabou de arder uma página importante da História de Portugal. Incúria ou distracção ou outra coisa qualquer contribuíram para que o pinhal de Leiria se extinguisse nas chamas imensas que rapidamente se propuseram apagar o que a História tinha escrito há cerca de quinhentos anos. E agora? Era património do Estado. Infelizmente pouco cuidado! Culpas? Claro que quem acendeu o fósforo foi o diabo! Mas um fósforo só, sem nada mais, extingue-se de seguida e não foi isso que aconteceu! Resta esperar 75 anos para que o pinhal, a ser reposto, possa estar em condições de ser utilizado. Uma vida! Uma vida para escrever esta página que acabou de arder. Francamente!
Há sempre lições que se extraem das coisas que acontecem inesperadamente e com consequências más como foi o caso, mas será que cento e tal vítimas mais tarde se vão aprender bem essas lições? Que soluções se vão apresentar para evitar novos reacendimentos no pouco que ainda resta deste país negro de tanto fogo e tão pouco claro na vergonha que ilumina os renegados?
As muitas manifestações que surgiram no país contra os fogos, parecem-me terem um propósito e um sentido positivo, mas de nada adiantam pois não contribuem para envergonhar quem por iniciativa própria ou a mando de terceiros, risca o fósforo fatal que vai destruir vidas e bens, mas que não consegue destruir quem o acende. E aqui, a justiça dos homens de pouco vale! Talvez a justiça divina fosse mais eficaz! Nem tudo pode ser assim tão mau!
Ardeu a árvore de Natal de muitas crianças! Fico frustrado! É triste. Desesperante na incapacidade de apanhar os culpados. O governo está a falhar. Costa falhou. Em vários aspetos. Talvez por orgulho ou por despeito ou mesmo incapacidade. Talvez, mas falhou. Agora, depois da tentativa de remendar o que estava errado, adiantam-se soluções futuras. Exército, plantações organizadas, reflorestação ordenada, enfim, um sem número de aspetos a ter em conta, hoje, porque aconteceu ontem o que não podia ter acontecido. Basta.

 

Luís Ferreira