Campanha alegre pela terra triste

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Ter, 26/09/2017 - 11:07


As campanhas políticas já eram alegres, ao que parece, nos tempos idos em que Eça de Queiroz se dedicava ao jornalismo, no século XIX, quando o país fazia que andava, mas não andava na senda do progresso.
Aquele vulto maior das nossas letras lançava um olhar irónico, por vezes ácido sobre os protagonistas do rotativismo parlamentar em acelerado desgaste, enquanto, na margem, um republicanismo radical ia somando pequenos e grandes sucessos, até que a 31 de Janeiro de 1891 se propôs tomar o poder. Dezanove anos depois lá chegaria, montado no episódio sangrento do regicídio, fruto da ousadia carbonária, mas também da omissão dos que diziam defender a monarquia constitucional.
As campanhas eram, afinal, expressão de uma alegria tola de caciques, que esperavam do povo a embevecida vénia a suas mercês, que se passeavam de caleche pelo Chiado, seroavam em São Carlos e aportavam, ao fim da manhã seguinte, a São Bento, exalando perfume espanhol.
Reconhecidas as distâncias, a febre da alegria, da animação, do frenesim continua a ser marca das campanhas, século e meio depois.
Tornou-se um “must” o ritual das caravanas automóveis, ruidosas, coloridas, apressadas, para impressionar eleitores. Pretende-se medir o impacto das propostas políticas pela extensão do desfile de automóveis.
Espera-se que a participação de condutores tenha correspondência em votos, que deixe uma impressão de maré arrasadora para desanimar os concorrentes, no fim de contas impor as emoções às convicções, fazendo da decisão política um acto mais visceral do que racional.
A expressão da vontade democrática esteve e estará sujeita a estas contingências, porque a crueza da vida não se compadece com os cenários românticos dos sonhadores de mundos perfeitos. Basta lembrarmos o que se passa em países de gente mais fina, onde a boçalidade triunfa, porque lá também não faltam patêgos a olhar para o balão, sem se questionarem sobre os espectros que se insinuam no horizonte.
Por isso se impõe que um elevado sentido cívico oriente os cidadãos que participam na intervenção política. Na situação que vivemos neste interior, o passeio trepidante pelas povoações pode ser quase uma forma de desprezo ostensivo por quem se confronta todos os dias com o fim da esperança, o desânimo que convida à desistência, a amargura do futuro impossível, apesar da festa estridente que vai passando e só deixa a dor do silêncio esmagador sobre as tristezas que não encontram ouvidos nas caravanas.
Há décadas ainda se viam crianças e jovens espantados, sorriso de orelha a orelha, olhos de alegria, a disputar brindes coloridos. Apesar da festa que viveram não puderam ficar e, hoje, votam noutras paragens, decidindo presentes e futuros que se sobrepõem ao destino dos que por aqui ficaram e só chegam ofegantes, de cajata e olhos baços, ao largo da aldeia, quando os carros já rolam para nova algazarra.
Talvez fosse mais avisado encontrar tempo para, ao menos, os ouvir. Assim se poderia tomar consciência de que não há festa que chegue para matar a tristeza, que promete ficar para sempre.

Teófilo Vaz