Baixa e alta densidade

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Ter, 24/05/2016 - 10:09


Está a alastrar, paulatinamente, uma evolução insidiosa da forma como os mais diversos responsáveis políticos e os burocratas, caseiros ou instalados nos centros de decisão europeus, se referem à nossa condição demográfica.
Na mira de suavizar a nossa propensão latente de enveredar pela postura de perdido por cem, perdido por mil, o que poderia levar alguns de nós ao arbítrio, sem misericórdia pelas fofas comodidades dos que se instalaram nos paraísos do agora, que depois logo se verá, vão-nos enrolando com a designação de que somos os restos das áreas que agora chamam de baixa densidade.
Já não gostam de dizer em desertificação humana acelerada, muito menos em agonia iminente, senão à beira do ronco final. Digo eu assim porque, ao menos, sempre lhes deixaríamos o arrepio que lhes gelasse a memória, a ponto de acabarem carcomidos pelo remorso.
Adocicaram a designação, mas não alteraram a vontade, pelo que continuam a espalhar ilusões, ao mesmo tempo que insinuam que o futuro ainda depende de nós. Sabemos todos que já não é assim.
Poderia ter sido se não nos tivessem empurrado para o círculo vicioso da falta de gente, que por isso não justifica investimento e da falta de investimento porque não há gente, forçando-nos à demissão do presente, quanto mais de qualquer futuro.
Naturalmente, é dos dois maiores partidos desta protodemocracia que vêm as renovadas proclamações de preocupação com os tais territórios de baixa densidade. Até já falam de muito baixa densidade, o que é expressão que confirma as ainda mais mortíferas armadilhas que se nos preparam.
O governo, liderado pelo PS, criou uma pomposa Unidade de Missão para a Valorização do Interior, enquanto o PSD fez publicar um boletim que intitulou “222 Propostas Social-democratas para um Verdadeiro Programa Nacional de Reformas”, onde diz pretender a valorização do território através, entre outras coisas, do “reforço da competitividade dos territórios de baixa densidade e de muito baixa densidade”.
Ora, senhores, ao fim de mais de quatro décadas, contadas a partir de uma madrugada de Abril, então prenhe de esperanças de justiça, equidade, igualdade e solidariedade, uns anunciam mais diagnósticos e adiam soluções, enquanto outros se permitem escarafunchar as feridas do moribundo, acicatando-o a acabar com o vizinho do lado para, depois do esforço, se extinguir, ele próprio, retirando-lhes a incomodidade da má consciência.
A baixa e muito baixa densidade são a condição galopante do nosso futuro, principalmente se nos deixarmos reiludir por canhestros passes de mágica, que nos fazem revoltear, na ânsia de encontrar tempos de tranquilidade noutros amanhãs. Já nem estaremos a tempo, depois do verdadeiro crime metódico que foram décadas de desinvestimento no território e nas nossas gentes.
Só nos restará uma ácida satisfação. Se se morre de baixa e muito baixa densidade, também se poderá rebentar de alta densidade. E aí, o nosso contributo poderia ser crucial. Bastaria que nos decidíssemos a verter-nos todos, os que ainda somos um quinto dos portugueses, nos grandes centros, sobrecarregando-os até à implosão.
Poderia acontecer que se criassem condições para que, como aconteceu com o sal no mar morto, a alta densidade nos conduzisse ao fim irreversível. Mas, para todos.

Por Teófilo Vaz