Ovos da Páscoa política

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No seguimento da empolgante eleição do novo presidente da Assembleia da República, Luís Montenegro, o novíssimo primeiro-ministro, presenteou a Nação com um delicioso ovo de Páscoa. À semelhança do simbólico ovo pascal, que é feito de chocolate e recheado de surpresas, o ovo governamental de Luís Montenegro, liberto que foi do habitual revestimento de celofane, mostrou ter sido confecionado com o melhor cacau partidário, desapontando os oposicionistas. Desapontamento que poderá crescer à medida que os portugueses lhe tomarem o gosto e, claro está, manifestarem agrado nos estudos de opinião que se seguirão. Ovo governamental que encerra muitas promessas, mas não inspira grandes esperanças, porquanto também comporta inúmeras dúvidas, sendo que a primeira é a sua duração, dado que poderá derreter-se logo que o tempo começar a aquecer. Ainda que igualmente possa manter-se bem conservado, por mais tempo do que o previsto e sem se deteriorar, no congelador em que PS e Chega, absurdamente, transformem o palácio de São Bento. Certo é que este ovo de Luís Montenegro sempre se apresenta mais tragável que o malcozinhado de António Costa que, como ficou provado e reprovado, era feito de cascas, raspas e sobras indigestas de governanças socialistas malpassadas. Também a nova situação política nacional tem a forma de um ovo amargo, sem ponta por onde se lhe pegue, tantos são os perigos que se lhe auguram. Branco é, o Regime Político o põe, será caso para se dizer. Ovo que o povo poderá esborrachar, quando menos se espera, nas cabeças dos principais actores do longo teatro eleitoral que terminou em10 de Março. Teatro que, se outro mérito não teve, serviu para melhor dar a conhecer a controversa classe política, representada por personalidades como Mariana Mortágua, a azougada coordenadora do Bloco de Esquerda, que não sabe bem o que quer para Portugal, nem para onde o quer levar; Inês Sousa Real, a vendedora de bíblias do Partido das Pessoas, dos Animais e da Natureza, que os eleitores deixaram só, a pregar aos peixes; o historiador Rui Tavares, o poeta do Livre, que encheu a campanha da melhor prosa; Paulo Raimundo, o novíssimo disc jockey do PCP que, como manda a tradição, virou o disco e tocou o mesmo; Rui Rocha, devotado missionário do virtuoso Iniciativa Liberal e Nuno Melo, o maestro trapalhão do ressuscitado CDS, agora promovido a cabo de guerra. Personalidades que à falta de ovos, vão continuar a mimar a democracia distribuindo amêndoas de Páscoa de todas a cores e para todos os gostos. Quatro personalidades maiores, porém, marcarão a vida política portuguesa nos próximos tempos: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desconcertante regente da banda presidencial, Luís Montenegro, o menino de coro do PSD que ousou tornar-se primeiro- -ministro, Pedro Nuno Santos, um robô produto da inteligência artificial socialista e o arruaceiro, ao que dizem, André Ventura, cacique do marginal, ao que consta, partido Chega. Personalidades que continuarão a planar sobre os três grandes conglomerados de cidadãos que presentemente compõem o eleitorado português: o Bloco Central, composto pelos fiéis do PS e do PSD, que têm governado e desgovernado Portugal; o Bloco da Abstenção, que continua desconforme, muito embora tenha diminuído significativamente e o Bloco do Descontentamento, de que o Chega já abocanhou parte significativa. Manda a verdade que se diga, a este respeito, que os mais de 1 milhão que votaram no Chega não o fizeram por serem fascistas, racistas, xenófobos ou saudosistas dos tempos da outra senhora, mas pura e simplesmente por não estarem minimamente contentes com o status quo, com as governanças do PS e do PSD, designadamente com a corrupção despudorada e sistemática, com o mau funcionamento da Justiça, com o estado lastimável do Serviço Nacional de Saúde, com a falta de habitações dignas, com o sem número de problemas que seria exaustivo aqui enumerar. Também não deixa de ser verdade que o Bloco Central, constituído pelo PS e pelo PSD, continua a recolher as maiores audiências, não só por consonância social e ideológica dos eleitores, mas sobretudo porque controla a comunicação social, parte e reparte o emprego público, vive em conúbio com a alta finança e se alimenta de clientelismo e nepotismo. Certo é que, a manter-se esta sistémica dinâmica negativa, o relapso Bloco Central irá definhar alegremente, o Bloco da Abstenção irá, felizmente, emagrecer e, lamentavelmente, o Bloco do Descontentamento irá aumentar, alargando os horizontes do Chega de André Ventura. Dinâmica que, tudo leva a crer, se manterá porquanto PS e PSD, continuam a não dar mostras de estarem interessados em se concertarem na promoção das indispensáveis reformas estruturais. Nada disto conduzirá, necessariamente, acalmem-se os espíritos mais exaltados, ao fim da democracia. Poderá até, bem pelo contrário, contribuir para o seu aperfeiçoamento.

Henrique Pedro