O ilusório projecto do Vale do Tua

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O empreendimento hidroeléctrico da foz do Tua não foi projectado para servir as populações e a região mas para que uma poderosa companhia privada dele pudesse retirar o máximo proveito.

Não é de estranhar, portanto, que decorrida mais de uma década desde que a mítica linha de comboio foi desativada, o projecto marginal de desenvolvimento do vale do Tua, que os políticos penduraram na barragem, continue a marcar passo. Isto significa que estamos perante um reiterado fracasso, por mais que os poderes envolvidos tentem fazer crer o contrário.

As derradeiras esperanças empurram-nas agora para a Mystic Tua, a novíssima empresa do conhecido empresário Mário Ferreira que se propõe trazer milhares de turistas qualificados e salvar tão peregrino projecto.

Não admira, portanto, que em vésperas de eleições europeias, Pedro Marques, ministro do Planeamento e cabeça de lista do partido no poder já em pré-campanha eleitoral, tenha vindo a Vila Flor e Mirandela abrilhantar a assinatura dos papéis relativos a tão vistoso empreendimento.

É de prever que, lá mais para o Verão, agora já em vésperas de eleições legislativas, o primeiro-ministro, ou alguém por ele, também venha a Mirandela cortar a fita do primeiro comboio turístico que alegremente assobiará melodias aos eleitores.

Mais uma vez, acenando agora com milhares de turistas que poderão vir, ou não, de barco, de comboio, de autocarro, por terra, por mar ou pelo ar para animar hotéis, empresas e mercados inexistentes, se tentará esconder que o desenvolvimento de toda a região transmontana continua a ser um fiasco intencional.

Todos desejamos que, o mais breve possível, se conclua que são necessários mais barcos rabelo a navegar na albufeira, mais carruagens a corrupiar na linha e não apenas nos meses de Verão e que uma onda de progresso irradie de Mirandela para todo o Trás-os-Montes.

Até ver, porém, a barragem da foz do Tua não passa de um espinho cravado na garganta dos ambientalistas que, impotentes, viram as suas mais justas reclamações inexoravelmente afogadas no vale que, na sua pureza virginal, possuía por certo, potencialidades geomorfológicas, biológicas, agrícolas, ambientais e turísticas tão ou mais valiosas do que aquelas que agora prometem.

Mais grave, contudo, será se as populações ribeirinhas que já viram os seus habitats ancestrais cerceados e desvirtuados e a suas economias familiares prejudicadas continuarem a ser desrespeitadas o que porá em causa a competência e a utilidade da Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua e das instituições públicas e privadas responsáveis por tamanho imbróglio e que são mais de dez.

Ainda assim, o pior do projecto em apreço está no desastroso condicionamento que provoca ao tão sonhado aproveitamento global e integrado das águas e campos, não só do vale do Tua, mas de toda a sua vasta e fértil bacia hidrográfica, considerando os afluentes Tuela e Rabaçal e inúmeros tributários menores, que constituem a coluna vertebral da chamada Terra Quente.

De palpável, até ver, apenas há papeis assinados e um comboio que faz que anda mas não anda.

E, já agora, um emblemático edifício arruinado, bem no coração de Mirandela, à espera dos turistas que, ao que parece, só eles o poderão salvar do colapso.

 

Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro