As plantas no quotidiano das gentes (etnobotânica no Parque Natural de Montesinho)

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Desenvolvimento de um estudo que permita compreender a relação entre a diversidade de conhecimento botânico local dos habitantes com a diversidade de plantas do Parque de Montesinho, em duas freguesias (União de Freguesias de Fresulfe, Dine, Mofreita e Soeria, e a União de Freguesias Gondesende, Oleiros e Portela). 
 
Etnobotânica
 
A etnobotânica é a área que estuda a relação existente entre as pessoas e as plantas. Essa relação pode envolver fins terapêuticos (i.e. medicinais, como a aplicação externa ou interna para tratamento de feridas, picadas ou mordeduras, inflamações, dores, espasmos. Consiste na prevenção e controlo de doenças) e outros fins não terapêuticos, tais como os usos simbólicos/rituais (associadas a práticas religiosas, culto, tradição, superstição e protecção),  ornamentais (jardinagem e hortas), artesanais e industriais (p.ex. madeiras, têxteis, resinas, cestaria, corantes), alimentação (humana e/ou animal), tóxicos (insecticidas e repelentes), cosméticos/aromáticas (preparados dérmicos e capilares, aromas e essências, cuidados da boca e dentes) e outros usos (jogos e fabrico de brinquedos, caça e pesca, uso para armadilhas). A etnobotânica permite, portanto, obter conhecimento holístico relativamente ao uso das plantas em determinadas comunidades. 
 
Da relação com as plantas
 
Foi possível verificar que nas aldeias incluídas no estudo há pessoas com um grande conhecimento de plantas e que, muitas vezes, têm o papel de conselheiros ou herbalistas nas suas comunidades, aconselhando diferentes maneiras de uso desses recursos em função do tipo de aplicação, tais como a decocção (colocar a planta juntamente com água até que ferva), a infusão (colocar a planta na água quando já está a ferver). 
Estas pessoas recorrem tanto a plantas selvagens que ‘domesticam’ como, nalguns casos, se  deslocam ao campo para apanhar plantas selvagens, tais como o fiolho bravo, funcho ou foeniculum vulgare, muito usado em ambas as freguesias para a má disposição, para o estômago, fígado e vesicula.
Pode-se dizer que estes utilizadores têm o papel de ‘guardas florestais’ na medida em que estão atentos aos ciclos naturais das espécies circundantes e, por vezes, notando deficiências ou problemas que surgem no habitat. Assim, constatou-se que existe uma percepção partilhada de que nos últimos anos se tem dado o desaparecimento de determinadas espécies. Este é o caso do negrilho (ulmus minor), aparentemente devido a doença e/ou alteração do clima, e da alcária (tuberaria lignosa (sweet) samp), como resultado da colheita excessiva e/ou inadequada, quando, por exemplo, pessoas menos conhecedoras arrancam a planta do solo em casos em que isso não é necessário. 
 
As mulheres conhecem mais plantas medicinais
 
Considerando parâmetros sociodemográficos, constatou-se que há diferenças entre homens e mulheres relativamente ao conhecimento que têm das plantas e ao tipo de utilização que lhes dão. Por exemplo, os homens usam certas plantas para a pesca (o cássimo, verbascum thapsus), pois a sua toxicidade atordoa os peixes, e referem frequentemente várias árvores, como o freixo, castanheiro, caneleiro e oliveira. As mulheres parecem ter um conhecimento mais profundo sobre plantas medicinais, simbólicas e recreativas. Por exemplo, o uso de plantas como a seruda (chelidonium majus), conhecida como ‘betadine’ vegetal, para verrugas e feridas, a cidreira (melissa officinalis) para chás ou o bacelo (umbilicus rupestris) que apresenta, na parte de trás da folha, uma película fina transparente, que serve como penso para feridas. 
Com fins recreativos, as mulheres recuam à sua infância e recordam como usavam a erva-saboeira ou sabão (Saponaria officinalis) para, tirando partido de um dos seus compostos (a saponina), envolverem os panos numa espuminha similar à de um verdadeiro sabonete. 
Em cada freguesia, foi deixado um herbário com as plantas mencionadas que pode ser consultado, em Dine, com a Dona Judite no museu de arqueologia e, em Portela, na Associação Azimute. 
Agradecimentos:
Este trabalho não teria sido possível sem a gentileza de todos os aldeões das freguesias. Na realização dos herbários um agradecimento especial à Dona Judite, de Dine e ao Sr. Evangelista Sebastião Gonçalves, de Portela. 
No futuro pretende-se aumentar o número de inquiridos – realizar 50 inquéritos por freguesia e adicionar a área de ecologia ao estudo (especificamente a introdução de índices de diversidade ecológica, nomeadamente o Índice de Shannon, através do métodos dos quadrantes), que permitirá analisar a eventual relação entre o conhecimento de determinadas espécies e a dominância e abundância das mesmas nas diversas freguesias.
E ainda validar cientificamente as propriedades curativas de algumas plantas, em especial daquelas que são frequentemente referidas como tendo ‘muito bom efeito’ em termos terapêuticos.
 
 
PLANTAS E DITOS POPULARES
 
Os ditados são uma forma prática de memorizar os usos.
Planta: Madressilva (lonicera periclymenum): Madressilva cheirosa, amargosa na raiz, gabaste-te que me deixaste, mas fui eu que não te quis! (Fresulfe) [planta ornamental];
Planta: Esteva (cistus ladanifer): Pão de esteva, pão de estrelas! (Portela) [a esteva é usada como lenha para lume de fazer o pão];
Planta: Malvela (glechoma hederacea): Oh! homem tens a mulher morta e a malvela na horta! (Dine) [planta utilizada para as dores mentruais];
Importante referir o apoio do “Parque de Campismo Cepo Verde” a este estudo. Sem esse apoio seria muito mais complicado realizá-lo. É um local impecável onde me senti em casa. Muito obrigada ao Telmo e à equipa que o acompanha.

 

Íris Mota