Pedro e o lobo

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Em algumas versões da obra de Sergei Prokofiev, o pato, quase no final da história, faz “quac” no estômago do lobo. Não sendo melómano foi esta encantadora história infantil que me apresentou dois instrumentos musicais surpreendentes, ambos da categoria dos sopros e feitos em madeira, o fagote e o oboé, que naquela obra traduzem as vozes do avô e do pato, respetivamente.
Lembrei-me da obra do compositor russo ao ouvir recentemente Pedro Passos Coelho na Assembleia da República. Tendo, por diversas vezes, criticado o antigo Primeiro Ministro, não podia deixar de vir aqui elogiá-lo quando, a meu ver, esteve particularmente bem na sua última interpelação ao atual chefe do Executivo.
O líder do PSD quis saber quais as razões que estiveram na base da recusa de dois nomes propostos para o Conselho de Finanças Públicas. Andou bem porque a legitimidade que os governos têm de decisão, entre estas incluindo, obviamente o direito de recusa, suportados na legislação em vigor, não os exime, de forma nenhuma, da obrigação, constitucional, de prestar contas e justificar os seus atos. É seu dever fazê-lo, perante os portugueses, como é óbvio e, sobretudo, a solicitação dos Deputados de acordo com os preceitos constitucionais. É bom frisar que o Governo responde perante a Assembleia da República. Submete-se ao veredito do coletivo, nas deliberações e propostas, mas tem de se justificar perante cada um dos Deputados, não lhes podendo negar o direito que têm de ser esclarecidos em todas questões que pretenderem. O facto de haver uma maioria de suporte do Executivo garante-lhe, à partida, o apoio e aprovação nas suas ações, mas não o desobriga de esclarecer e explicar os seus atos perante todos e cada um dos representantes populares que se sentam no hemiciclo de S. Bento.
É, infelizmente, muito comum que os que obtêm o mandato para governar entendam que tal os legitima para o executarem a seu bel-prazer e sem disso darem qualquer elucidação quando a propósito e convenientemente interpelados. É uma falta de respeito, um grave erro político e, quase apostava, uma ilegalidade. Tal atitude desqualifica quem a toma e dá autoridade moral a quem se lhe opõe para poder discorrer livremente sobre as eventuais verdadeiras razões para tal escusa. Fica legitimado a levantar suspeições que, de outra forma, poderiam ser sempre olhadas com desconfiança e eventualmente abusivas ou exageradas.
As eleições legitimam o exercício do poder mas não retiram a todos os outros, oponentes, apoiantes ou simples interessados, o direito constitucional de escrutínio, constante, permanente e completo sobre as ações, por mais legais, lícitas e adequadas que sejam, na ótica de quem as pratica.
Andou bem Passos Coelho.
Andou mal António Costa.
Podia ter sido pior? Podia. O chefe do governo podia ter sido tentado a desresponsabilizar-se, a dizer que nada tinha a ver com a questão, a passar a bola ao seu ministro ou a esconder-se atrás de algum dos seus colaboradores.
Mas esse é um erro que o líder do PS não cometeu e, estou certo, seguramente não cometerá!

José Mário Leite