Estourou uma bomba em Mirandela

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O regime político vigente em Portugal, embora formalmente se inscreva no sistema da democracia liberal, também dita representativa, enferma de graves anomalias que são, quanto a mim, a causa essencial dos males de que o nosso país padece nos domínios político, económico e social.
As culpas não devem ser imputadas ao carácter dos portugueses, portanto, até porque são milhares os compatriotas que se evidenciam fora da pátria, em todos os domínios, mas obedecendo a regimes democráticos diferentes.
É a permissividade do regime político instalado em Portugal, volto a frisar, que explica que na vida política nacional prevaleçam a mediocridade, a mentira, o oportunismo e a multifacetada corrupção que tantos males origina.
Fenómeno que tem maior impacto, embora mais silenciado, em terras do interior. O concelho de Mirandela, que até às últimas eleições autárquicas foi, durante décadas, governado de forma hegemónica pela mesma força partidária, não foge à regra.
Tratou-se de um longo e obscuro período em que as reais potencialidades da capital da Terra Quente foram subaproveitadas e a maioria dos pacatos mirandelenses se fartou de ver as mesmas personalidades a ocuparem os organismos públicos de influência partidária. Com uma apertada teia de amigos e correligionários a partilhar sinecuras e a conduzir a vida económica e cultural do concelho a seu bel-prazer, a inventar empregos camarários para empregar clientes e colaborantes, com as freguesias amordaçadas e manipuladas numa lógica de domínio partidário e a presidência da Câmara assegurada por astucioso mecanismo hereditário.
A mudança de poder em Mirandela por força das últimas eleições autárquicas, ainda que para outro partido igualmente vicioso, ambos pilares do actual regime, soou, por isso, que nem uma bomba. Surpreendentemente, o município mirandelense irá ser governado, a partir de agora, por uma força política diferente e tendo à cabeça, o que também é inédito, uma mulher.
Trata-se da veterinária Júlia Rodrigues, destacada militante do partido socialista, que ousou ganhar a confiança massiva do eleitorado mercê, também da sua condição feminina, de pertencer a uma alargada geração mirandelense que está na força da vida e que nela se revê e, como é óbvio, de uma campanha eleitoral criativa e eficaz.
Beneficiando, naturalmente, da conjuntura favorável que o seu partido atravessa, do seu relacionamento privilegiado com o poder central, do desejo de mudança que a maioria dos mirandelenses, agora se constata, calavam no peito, duma maior maturidade do eleitorado rural e ainda e sobretudo, do facto saliente dos seus adversários não possuírem nem perfil nem predisposição eleitoral para tanto.
É por tudo isto que as expectativas que agora se abrem são fantásticas. Importa, para tanto e para começar, que Júlia Rodrigues saiba valorizar a equipe pouco qualificada e mal preparada que chefia, que não deixe vingar os sentimentos revanchistas que, é público e notório, grassam nas suas hostes e que não proceda a uma limpeza cega da administração municipal na lógica do olho por olho dente por dente.
A nova presidente da Câmara de Mirandela será grande se for capaz de ser justa, humana e generosa. E se souber colocar os interesses regionais acima dos partidários.
Júlia Rodrigues já anteriormente deu provas de ser determinada bastante e granjeou carisma suficiente para fazer história em Mirandela, como ela mesma diz pretender. Oxalá a faça pela positiva.
Este texto não se conforma com o novo Acordo Ortográfico.

Henrique Pedro