Caramba!

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Depois de ter passado mais de um mês sobre o desastre de Pedrógão fomos ver o que de substantivo foi feito para que calamidades deste calibre não tornem a acontecer. E o que vimos é pouco menos que deprimente. Assim:
o jornalismo, no seu jeito vampiresco de só estar confortável se houver “sangue”, pergunta insistentemente se “não rolam cabeças”, se a culpa vai morrer solteira, se não se extraem responsabilidades políticas, de quem é a culpa do SIRESP funcionar mal, etc;
por outro lado a oposição inventa suicídios e faz ultimatos com base numa contabilidade macabra que francamente não deu para entender.
É demasiado despudorado envolver vidas humanas numa análise fria dos números. Mas serem 64 ou 65 o número das vítimas de Pedrógão parecia ser, para a oposição, o único tema político, possivelmente esperançada em que o renascer das cinzas talvez não fosse um exclusivo da Fénix. (Não fora a parte trágica deste episódio anedótico e poderíamos colocá-lo ao lado daquele discurso de Américo Thomas onde dizia “... as barragens que sendo 13 passaram a ser 12 e por isso peço desculpa de ter pedido desculpa ao Eng. Machado Vaz...”);
mesmo o Governo que apesar de ter legislado sobre matérias interessantes, naquilo que chamou de Reforma Florestal, fê-lo de forma inócua e não tendo por preocupação principal o incêndio. Parece que se orientou por Lampedusa e optou por “mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma”. Isto porque o Cadastro, uma das peças da Reforma Florestal, sendo instrumento imprescindível num Estado moderno e que anda para ser feito já não sei há quanto tempo, não tem, no entanto, muito a ver com incêndios. As matas ardem com cadastro ou sem ele. Também a legislação para a redução da área de eucalipto foi feita para calar incautos. Porque o eucalipto não é pinheiro. O pinhal depois do corte ou se torna a plantar ou o pinhal desaparece. O eucalipto tem regeneração vegetativa, isto é, depois do corte crescem novas árvores a partir das raízes como o castanheiro ou o carvalho. Quer isto dizer que a área de eucalipto é sempre a mesma a não ser que arranquem as raízes. E quem o faz?
Resumindo: depois do incêndio cada um derivou para a sua “sardinha” sem a mínima preocupação com as consequências ou com a reincidência. E a Mata? A resposta vem-nos numa deixa dum filme de António Pedro Vasconcelos que trata matéria similar: “a mata que se foda”. Também a mim me apetece vociferar o titulo do artigo mas na sua versão mais hard.
Pelo que vemos o incêndio foi o pretexto, o expediente tactico de que se socorreram uns para acusar, outros para reivindicar, outros para legislar, outros para protagonizar, etc. E dou por mim a pensar que se calhar o incêndio faz falta. Uma espécie de abono de família de alguns sectores sócio-profissionais e de singulares ávidos de notoriedade. Por estas razões, aliadas a uma mata que se põe a jeito, tenho por adquirido que o incêndio faz parte do nosso quotidiano. Temos, pois, que saber viver com ele. E isso pressupõe criar mecanismos de controlo de forma a que só arda aquilo que deixarmos arder. São esses mecanismos que urge criar. Sem eles só nos resta rezar.
Manuel Vaz Pires