Água mole... O meu jardim

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Aproveitando é certo para desviar um pouco a água para o meu moinho, não quis deixar passar em claro o facto de os vários candidatos às recentes eleições mencionarem nas suas propostas o cuidado com as zonas verdes. Por isso este texto é especialmente endereçado ao edil vencedor desse pelouro, para quem, não tendo o gosto de o conhecer, vão também as minhas desculpas.
Como os quintais e os jardins das nossas casas (ou mesmo as plantas que expomos nas varandas), as alamedas e as áreas ajardinadas públicas surgiram como evocação e reflexo do campo. No fundo são recantos que lembram com nostalgia, no meio da inquietude árida das grandes cidades, a natureza aberta e livre, a terra pacata e a paz bucólica deixadas para trás, para muitos talvez para sempre. Não é o nosso caso. Bragança é pequena e o campo é mesmo aqui mas, ainda assim, a forma como pensamos e tratamos desses espaços não deixa de revelar o maior ou menor carinho pelo paraíso perdido, o papel que a beleza ocupa nas vidas enfadonhas e em geral um pouco da nossa mentalidade.
Por outro lado, a cidade também se erigiu sobre ideais, valores e modos de vida opostos aos do meio rural e em choque com este. Campónio, rústico, parolo, tosco, saloio, pacóvio, matarruano, são adjetivos que não deixam dúvidas quanto a isso. Portanto é de crer que, almejando civilizar-se, os primitivos citadinos renegassem as suas raízes, exibindo uma atitude parecida à dos novos-ricos: como a ruralidade lhes sugeria as origens humildes ignoravam -na, desprezando quase tudo que os ligava a ela.
De forma que quando se tratou de enfeitar os jardins, foram em busca de espécies estranhas, quanto mais longe melhor. Não por serem mais bonitas, até porque as mais das vezes se calhar nem reparavam muito nisso, mas por darem ares de progresso, evolução, cosmopolitismo. E foi assim que se criou uma tradição, mesmo se ela implica, como aqui, muito tempo depois, plantar magnólias ou palmeiras, como sabe árvores bem adequadas ao nosso clima, perdoe-me o sarcasmo.
Lembro-me, curiosamente, de há um par de anos, uma pessoa do norte europeu que estava de visita (fascinada, de resto, com tudo o que ia vendo) me ter feito certa vez parar na estrada para sair do carro e se deixar maravilhar com os verdes e amarelos de um freixo em finais de outubro. Todavia, para nós, os freixos fazem lembrar lameiros, hortas, cortinhas, a aldeia em geral, assim como os amieiros, os salgueiros, os alfenheiros, os sanguinhos, as aveleiras, os sabugueiros, entre outros (todos um encanto para quem se dignar reparar e não tiver a vista gasta pelo uso), e por isso nem pensar em trazê-los para o meio da urbe.
Pois já que estamos em maré de valorizar e promover tudo o que é nosso (e muito bem, diga-se), deixe-me lembrar-lhe que as ripícolas que referi no parágrafo precedente, algumas incluindo várias subespécies, para além de tolerarem bem as geadas também fazem parte do património. Mas se ainda assim quiser nutrir o irreprimível gosto pelo que é invulgar, o que entendo lindamente, sugeriria, se me permite, algumas outras que sendo indígenas são mais raras, não se ficando atrás em termos de potencial embelezador: zelhas, mostajeiros, fuseiras, lentiscos, tramazeiras, cerejeiras-de-santa-lúcia, azereiros, cornalheiras, etc. etc. Por isso, com o devido respeito, gostava de deixar ao ilustre autarca o desafio de começar a dar às nossas árvores o lugar que por direito lhes pertence nos jardins da cidade.
Há de ter notado que não aludi aos choupos. De facto foi propositado. Já há muito percebi que são uma causa perdida. A aversão a eles é um preconceito tão poderoso como qualquer outro, como o que consiste por exemplo em achar que as correntes de ar provocam gripes. Por mais que se martele não há meio de os afastar, é daquelas coisas que entram na mente popular e para saírem de lá é um caso sério, não vale a pena.
Mas ao menos, senhor vereador, abulam-se definitivamente esses tão malfazejos seres de uma vez, eles e os seus incómodos. Não se insista em plantá-los para, uns anos depois, quando já estão crescidinhos e nos mimam com a sua sombra no verão tórrido, os abater tontamente, como ainda há pouco se fez a umas boas dezenas no jardim da braguinha. A menos que seja mesmo, sabe-se lá, pelo prazer perverso de os cortar. (continua).

 

Eduardo Pires