Uma doce vocação

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Ter, 21/06/2005 - 15:01


Nasceu em Angola em 1963 e licenciou-se em Engenharia Zootécnica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde descobriu a vocação pela Apicultura. É professora adjunta da Escola Superior Agrária (ESA) do Instituto Politécnico de Bragança e prepara o doutoramento em Ciência Animais, após tirar o Mestrado em Produção Animal na Universidade Veterinária de Saragoza (Espanha). Sancia Pires é a entrevistada de hoje na rubrica “Nordeste com Carinho”.

Jornal Nordeste (JN) – A apicultura é uma actividade fascinante?
Sancia Pires (SP) – Eu diria que é uma actividade radical. É daquelas coisas que as pessoas gostam ou não gostam, onde não há meio-termo. De facto, a vida das abelhas é fascinante, em grande parte devido à sua organização social.
Comecei a interessar-me pela apicultura através duma disciplina de opção na Universidade. Fiquei encantada com o que aprendi e decidi logo que seria essa a minha área de investigação.

JN – A vida duma colmeia é extremamente organizada. O que pode quebrar essa harmonia?
SP – A questão da rainha é fundamental. Ela tem uma esperança de vida de cinco anos, mas, por vezes, há factores ambientais, biológicos ou práticas de maneio que podem contribuir para a perda dessa rainha, o que vai destabilizar toda a organização dentro duma colmeia.
Também há a questão das doenças, como a varrose, que obriga os apicultores a vigiarem os apiários constantemente. É a patologia que, a nível mundial, tem causado a morte de mais abelhas, o que nos obriga a um maneio muito mais intensivo, no sentido de prevenir e tratar estas doenças.
Recordo que a varrose já levou muitos apicultores a desistirem desta actividade, dado que há casos em que a doença mata todas as abelhas das colmeias, contribuindo para desmotivar os praticantes da apicultura.

JN – Na Escola Superior Agrária há projectos de investigação para erradicar a varrose?
SP – De facto temos vindo a desenvolver muito trabalho nesta área. Mas, a verdade é que se trata de um problema preocupante, porque o ácaro que provoca a varrose tem vindo a desenvolver resistências e torna-se mais difícil combater a doença.
O projecto que estamos a desenvolver visa, precisamente, fazer o rastreio da resistência desses ácaros e dos tratamentos adequados para eliminar a doença.
Depois, há também a polémica do aparecimento de resíduos de antibióticos no mel e derivados da colmeia, que têm merecido uma atenção especial e mobilizado muitos meios pelo mundo fora.

JN – Qual a importância do mel para uma região como Trás-os-Montes e o que pode ser feito para tirar mais partido desta actividade?
SP – É preciso incentivar os jovens a elaborar projectos apícolas. Temos o Parque Natural de Montesinho e o Parque Natural do Douro Internacional que são duas zonas com condições ímpares para a prática da apicultura. São zonas onde já se produz mel de grande qualidade e, se conseguirmos aliciar mais jovens para esta actividade, nomeadamente através de cursos de formação, vamos obter mais valias para a região, porque conseguiremos fixar população no meio rural.
Se conseguirmos atrair os jovens, a apicultura é um bom caminho para o desenvolvimento regional, que pode valorizar o nível de vida das populações nas zonas mais desfavorecidas e atenuar a desertificação.
Recordo que no Parque Natural de Montesinho existe uma Associação de Apicultores muito activa e dinâmica, com quem temos trabalhado. O presidente dessa Associação, Manuel Gonçalves, tem tido uma sensibilidade muito grande para aliar a componente científica à actividade da apicultura, no sentido de aumentar a produtividade, pelo que já existem alguns protocolos que têm dado bons frutos, mesmo ao nível de estágios curriculares e profissionais de alunos da ESA.
Além disso, também temos vindo a colaborar com a Associação na realização de análises e no controle de qualidade do mel.

JN – O que distingue o mel transmontano das restantes variedades do País e do Mundo?
SP – Costumo dizer que o mel é todo bom porque é todo feito por abelhas. O certo é que o nosso mel se distingue de outros porque somos um País com pouco apicultores, que produzem em pequenas quantidades e que, muitas vezes, não conseguem competir com os grandes produtores mundiais, ao nível do preço. Esses grandes apicultores intensivos, para não terem perdas de rentabilidade, alimentam as colónias artificialmente e isso pode adulterar a qualidade do mel. Esta situação não acontece na região, onde temos grande quantidade de flora autóctone que permite produzir um mel de elevada qualidade e procurado por diversos países. Embora sejamos deficitários ao nível da quantidade de mel, as exportações têm vindo a aumentar nos últimos anos. O principal cliente é Espanha, mas também há exportações para a Alemanha, que é o maior consumidor a nível europeu e, também, o mais exigente.

JN – O sector apícola nacional está muito atrasado em relação a outros países europeus?
SP – Quase como em tudo, na apicultura também estamos um pouco atrasados, nomeadamente em relação a Espanha, onde há grandes apicultores. Em Portugal, por exemplo, estamos a arrancar com determinadas práticas que em Espanha já se fazem há muitos anos, onde variados profissionais, como biólogos e veterinários, há muito que trabalham em universidades e centos de investigação apoiados pelo Estado. Em Portugal faltou sensibilidade para a apicultura e só há poucos anos é que a situação começou a mudar, fruto da integração na União Europeia, onde o sector da produção de mel é muito forte. Agora, felizmente, já há programas de apoio que nos permitem elaborar projectos de investigação para ajudar os apicultores de Portugal.

JN – Que patamar ocupa o mel de Trás-os-Montes a nível nacional?
SP – O mel do Parque Natural de Montesinho representa 81 por cento do mel certificado a nível nacional, o que demonstra o trabalho desenvolvido pela respectiva Associação de Apicultores na promoção desta actividade.

Entrevista de Marcolino Cepeda, Rui Mouta e Mara Cepeda