Transmontanos de Lisboa visitam o Alto Douro

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Ter, 14/06/2005 - 15:48


“Viagens na nossa terra são um meio e um caminho para irmos ao reencontro do silêncio contemplativo das nossas serras e montes, dos perfumes abundantes que a Primavera nos oferece, dos opíparos e inconfundíveis sabores que as lareiras e adegas nos lembram, do enlevo e misticismo que os contos de fadas e moiras encantadas dos serões nos dão ou até da curiosidade de vermos, numa qualquer encruzilhada, um lobisomem a despojar-se em noite de lua cheia”. Dr. Nuno Aires (Director da CTMAD)

Este ano de 2005 é o ano do I Centenário da CTMAD (Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro) de Lisboa – a mais antiga associação regionalista da capital, e por iniciativa da sua Direcção, entre múltiplos eventos que têm sido programados ao longo do ano (conferências, convívios, exposições, homenagens a ilustres conterrâneos), decidiu a CTMAD promover duas “Romagens”, ou seja, excursões com sabor a saudade e nostalgia, à nossa terra natal, para reavivar as nossas “raízes”, e ver as transformações das cidades, vilas e aldeias, nas últimas décadas.
O 1º passeio realizou-se agora, de 26 a 29 de Maio, centrado na imponente paisagem do Alto Douro, agora tão afamada, até internacionalmente, pela atribuição pela UNESCO da classificação dessa imponente região vinhateira como património mundial da humanidade.
A excursão contou com a participação de 50 sócios e vários elementos da Direcção, sendo de destacar o seu Presidente – Dr. Nuno Aires (Juiz-Desembargador da Relação de Lisboa) – e o seu Vice-Presidente – Doutor Jorge Valadares (Prof. da Fac. de Ciências).
Estes membros da Direcção tudo fizeram para nos proporcionar um passeio, não só alegre e convivial, mas cheio de interesses turísticos, históricos e culturais.

As belas paisagens

O cruzeiro no Rio Douro – da Régua ao Pinhão – foi o ponto alto desta “romagem”, com duas horas de travessia em paquete de recreio, em tarde amena e repousante, em que os nossos olhos puderam deslumbrar-se com as imponentes paisagens dos “montes vinhateiros”, de encostas altíssimas e verdejantes, em sinuosos trilhos de vinhas – os tão castiços “socalcos” – rendilhando os montes.
Por efeito de comportas e novos lagos das barragens, o leito do rio Douro é agora aprazível e alargado (contrastando com as margens penhascosas e estreitas – mas tão poéticas – de velhos tempos) e o prazer de contornar os sinuosos montes de vinhedos, redondos e aguçados, que parecem tocar os céus, portilhados de quintas brancas, com suas adegas e armazéns, de marcas célebres, fazem-nos crer noutro mundo, de esforço e coragem sobre-humanos, que retiram há séculos das concavidades poderosas da Natureza o brilho e sabor dos puros néctares.
Mas o Douro não é só atravessar o seu leito, em remanso de cruzeiro turístico, como se estrangeiros fossemos, vindos de paragens estranhas.
Para nós, o Douro, o Alto Douro, foi vaguearmos, explorarmos a imensidão daqueles montes, em curvas sinuosas e perigosíssimas, em estradas estreitíssimas, a mais de 100 m de altitude, sobre o abismo daquela cobra, estonteante e liquida, sempre pastosa e verde, que se vislumbra lá no fundo das montanhas, pela janela do autocarro.

Douro Património
Mundial da Humanidade

Seguir as rotas, quer das margens sul (Lamego – Tabuaço – Valença do Douro – S. João da Pesqueira – Cais da Ferradosa – Vila Nova de Foz Côa), ou do Douro Norte (Régua – Pinhão – Pocinho) - são sempre viagens de prazer, por zonas tão escondidas e inexploradas, onde os povos vivem longe, tão longe, “da civilização”, mas onde saboreiam a calma Natureza como ninguém.
A um jovem, tão dinâmico, que dirigia uma Cooperativa, no cimo de encostas do fim do mundo: “Não se sente só?” – “Por que me havia de sentir só? – Este é o meu trabalho, o trabalho de que gosto!”
É assim a gente do Douro, aquela gente audaz, que longe do mundo, parece viver do sabor da terra e do azul das altitudes.
Mas a nossa “Romagem” quis também marcar um percurso, deixar uma presença – a presença da nossa Associação Regionalista – aquela Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro – que na capital quer manter viva a alma transmontana, defender os interesses da região e estar atenta aos seus progressos, aos seus sonhos e realizações.
Assim na “Casa do Douro” – na Régua – houve recepção especial e contactámos com tão histórica instituição, que luta pela solidária actividade dos vinhateiros da região, em prol da expansão da produção e qualidade genuína dos afamados vinhos.
Visitaram-se ainda as Caves de Sta. Marta de Penaguião e as famosas adegas de S. João da Pesqueira.

Na Rota da Terra Quente

E em Alfândega da Fé – já no percurso final da “Rota da Terra Quente” – com travessia do Vale da Vilariça – teve lugar uma significativa homenagem ao Engº. Camilo de Mendonça, natural de Vilharelhos, daquele concelho, que nas décadas de 1950 a 1970 (1953 a 1973), foi um vulto político de grande destaque, como deputado, na defesa da nossa região tão desfavorecida, e que, em ruptura com um governo que “esquecia” a sua voz desassombrada, se retirou da política, durante cerca de 8 anos, para implantar no coração das suas terras de origem – o Complexo Agro-Pecuário e Industrial do Cachão (entre Mirandela e Vila Flor), onde pôs à prova todo o seu poder de inovação e capacidade empreendedora na área agronómica e de desenvolvimento regional.
Essa homenagem teve lugar no belo auditório do Centro Cultural, inaugurado em 2004, onde decorreu a sessão comemorativa, com a presença do Presidente da CM – João Carlos Figueiredo, o presidente da CTMAD, e um filho do Engº. Camilo de Mendonça – Dr. Pedro de Mendonça.

Homenagem a Camilo Mendonça

Como ponto alto, deste convívio cultural, que contou com a presença de cerca de 300 convidados e população da autarquia, destacamos a alocução, projectada em sistema DVD – do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, que acedeu ao convite da CTMAD para proferir o elogio do homenageado, uma vez que o Engº. Camilo de Mendonça, por particulares laços de amizade com seu pai – o ministro Baltazar Rebelo de Sousa – fora seu padrinho.
A alocução tão emocionada, viva, inteligente e arguta, do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, traçou o perfil exacto e maravilhado de um homem que tão bem conheceu, com seus rasgos de genialidade, energia e nobreza de carácter.
Para os que ainda conheceram a sua laboriosa e intensiva obra, não só no domínio da renovação técnica da agricultura da região, como na sua vertente social, de apoio efectivo aos trabalhadores carenciados, como para aqueles jovens que agora despertam com novos projectos de “fazer grande” a terra transmontana, as palavras tão entusiasmantes do Prof. Marcelo valeram só por si a nossa “Romagem”.
Do alto da Serra de Bornes, de onde se avistam 7 serras, e um mar de horizontes, podíamos exclamar: “Grande é esta terra, que tais filhos tem”.

Arminda Cepeda