Tio João: O Patriarca duma vasta Comunidade

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Qua, 27/04/2005 - 17:02


Por inerência da minha actividade profissional, costumo acompanhar, com enorme satisfação, sempre que posso, entre as 7 e as 8 da manhã, aquele que é, em meu entender, dentro do género, provavelmente o mais interessante, extraordinário e completo motivo radiofónico, a nível nacional: o programa do Tio João, da R B A.

Tal adjectivação, não reconhecida por alguns pseudo intelectuais eivados de certos preconceitos ruralistas que lhes fosca as ideias, justifica, na crónica de hoje, o mais que merecido reconhecimento.
Muitos são aqueles que se interrogam em relação ao fenómeno de popularidade deste programa de rádio, cujo rótulo é validado por uma impressionante realidade numérica: é ouvido, diariamente, de 2ª a 6ª feira, entre as 6 e as 8 da manhã, incluindo a emissão de 4 horas aos Sábados, por milhares de pessoas em 2050 localidades de 50 concelhos, distribuídos por Bragança, Porto, Viseu e Guarda – sendo ouvido, neste momento, via Internet, no mais longínquo recanto da diáspora lusa.
O que notoriamente distingue este programa da concorrência (se é que a tem!) é a postura do seu apresentador, Nicolau Sernadela, encarnando a feliz e bem conseguida personagem, por ele criada, Tio João. O verdadeiro artista da comunicação improvisada tem a capacidade intrínseca de mobilizar uma verdadeira legião de seguidores, conferindo ao programa um carácter profundamente social, de inquestionável interesse público, no contexto em que se insere – e só neste poderá ser entendido. O Tio João, além de ser provido de conteúdo, marca a diferença, porque é um espaço onde a solidariedade e a partilha entre os membros da Família são as peças nucleares de toda a relação parental e, por conseguinte, a chave do sucesso.
Contrariamente ao circunstancial e demagogo slogan politiqueiro “ comigo as pessoas contam mais”, utilizado, como bandeira, por uma força partidária (não me recordo qual), no programa do Tio João, que nada se promete a não ser amizade e outros valores, já quase diluídos na/e pela nossa sociedade, este acto de fala corresponde a um acto de verdade. Neste lugar, onde se desabafa, onde se manifestam sentimentos contraditórios (tristeza/ alegria), onde se pedem conselhos e se dão opiniões, etc., através dum natural e espontâneo registo de língua, com o qual a personagem/ locutor se identifica, há sempre a certeza do retorno das palavras proferidas; a certeza que do lado de lá da linha está sempre alguém disponível, que partilha e comunga dos sentimentos e das opiniões exteriorizados.
Outro aspecto positivo deste peculiar programa é o facto de desempenhar o papel duma autêntica “loja do cidadão” à distância. É aqui que se esclarecem dúvidas, das mais complexas às mais triviais; é aqui que se obtêm informações do género de “Quando começa ou termina o prazo de entrega do IRS”; “Quando começam as candidaturas aos subsídios agrícolas”; “Qual a farmácia de serviço”, etc. Enfim, um infindável número de respostas sempre à mão, justificando, assim, o carácter utilitário de quem proporciona e disponibiliza este tipo de serviços.
O convívio é, nesta família, um elemento integrador. Uma grande maioria dos elementos que a constituem situa-se na faixa etária para lá dos sessenta anos. Muitos deles, pelas mais diversas razões, nunca conseguiram, ou nunca tiveram a oportunidade de tirar umas merecidas férias, nem de fazer uma viagem de passeio, por mais pequenas que fossem. Por isso, a organização (anual) dos Almoções, dos Sardinhões, dos Merendões e dos Magustões – extensíveis aos vizinhos espanhóis -, que chegam a juntar mais de 30 mil pessoas, qual romaria, bem como os passeios / excursões promovidos pelo Tio João, além de proporcionar o são e gratificante convívio entre Tios, Tias, Primos e Primas, dos mais diversos lugares, necessariamente com experiências de vida diferentes, contribui para recuperar a auto-estima e a dignidade dos participantes, como forma de corrigir algumas injustiças, decorrentes do incontornável percurso de vida.
Por último, não posso deixar de salientar o enorme contributo que o Nicolau, ou, se preferirmos, o Tio João (a hesitação entre ambos reside na dificuldade em se perceber onde começa um e acaba o outro) tem dado, ao longo destes 15 anos de vida do programa, na preservação do nosso valioso legado cultural. Neste sentido, a continuidade do mesmo é o garante da perpetuação daquilo que nos torna singulares.

Nota breve: No passado fim-de-semana, a Família foi presenteada com uma excursão ao Algarve. Como era de esperar, tudo correu no mais perfeito ambiente festivo, para o que contribuiu o incomparável “Guia Turístico” da casa, João Martins, da Sanvitur.