Recordar cenas da vida, numa aldeia activa, há um par de anos

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Ter, 05/07/2005 - 17:37


Nesses tempos que já lá vão, os dias eram totalmente cheios e ao romper da aurora já se via gente a trabalhar por todo o lado. Homens de mangas arregaçadas e fraldas de camisa a esvoaçar cavavam as vinhas, “acobriam” as batatas e plantavam os renovos.

Nas veigas, rapazes e raparigas “arramavam” o esterco, a garotada guardava “as crias” nos lameiros e os mais velhos roçavam as silvas, nas bordas.
Juntas de bois puxavam o velho arado ou a charrua, decruando e vimando as terras onde depois se faziam as sementeiras.
Era um frenesim, um vaivém constante de pessoas e animais! Sentia-se a fertilidade da terra, nas cearas que cresciam e floriam em todas as courelas e baldios da localidade.
Respirava-se a alegria contagiante das pessoas nas cantigas que ressoavam pelos montes, quebradas e vales, conforme a época do ano e os respectivos trabalhos agrícolas. Eram as canções das segadas, das malhas, as pastoris e as dos jogos de roda, nas eiras e largos da aldeia.
Ouvia-se o chiar estridente dos carros de bois, na faina das acarrejas, ou carregados de feno, erva, batatas ou uvas, nas aixedas gargaleiras!
Trabalhava-se de sol a sol e só se despegava quando do sino do campanário ou torre da igreja se ouvia o toque melancólico das trindades.
À noite e logo a seguir à ceia, acomodavam-se os animais, à luz do lampião e a seguir lavavam-se os pés, rezava-se o terço, contavam-se histórias e falava-se de saberes, à luz trémula da candeia, ou à claridade incerta do luar.
Depois, bem… depois, dormia-se tranquilamente, em lençóis de linho, tecidos nos rústicos teares manuais, pelas mãos hábeis de avós, mães e esposas dedicadas, onde se esquecia, momentaneamente, a dureza desse dia e se retemperavam forças para a labuta que se seguia.
António Afonso