Professores recebem conforme a vontade das câmaras municipais

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Ter, 17/01/2023 - 12:49


Com a transferência de competências do Governo, as câmaras ficam responsáveis por contratar professores das AEC’s, CAF e AAAF

As Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC’s) já deram muita dor de cabeça às câmaras municipais, aos encarregados de educação e aos professores e parece que o problema ainda está longe de ser resolvido em alguns concelhos. O Governo transferiu esta competência para os municípios, desde 1 de Abril. Muitos não concordaram com esta transferência, mas tiveram que a aceitar. Ainda assim, no início do ano lectivo muitos alunos ainda não tinham as ditas AEC’s. Por exemplo, em Bragança, verificou-se um atraso na contratação de professores. Já passava mais de um mês depois do início do ano lectivo e os alunos ainda não tinham actividades. Só a 1 de Novembro começaram a funcionar e ainda assim, estamos no segundo período e só agora a disciplina de Música está a ser leccionada em algumas escolas e nem é por um professor da área. Além destes constrangimentos, os professores queixam-se do valor que recebem.

Como funciona a contratação de professores para as AEC’s?

as AEC’s? Em alguns municípios do distrito, são os próprios técnicos da câmara que leccionam estas actividades. Noutros municípios, são contratadas empresas para contratarem professores. Segundo o dirigente sindical dos Professores da Zona Norte, Manuel Pereira, as câmaras municipais recebem uma verba do Governo, relativa a esta transferência da competência, consoante o número de alunos que estão inscritos nas AEC’s. O problema coloca-se nos docentes que trabalham a recibos verdes, uma vez que não têm as mesmas regalias que teriam se pertencessem ao quadro da câmara ou se tivessem um contrato de trabalho, além do valor que lhes é pago. Manuel Pereira explicou que, uma vez que trabalham a recibos verdes, têm que fazer descontos, nomeadamente do IVA, não têm férias, nem ADSE, uma vantagem que é atribuída aos outros professores, uma vez que fazem parte da Função Pública. Os descontos são feitos consoante os rendimentos. Ainda assim, as horas destes professores contam para concurso.

5 euros à hora para os professores das AAAF

Em Bragança, nos jardins-de-infância, as profissionais destinadas para as AAAF, Actividades de Animação e de Apoio à Família, que são um prolongamento do horário das actividades educativas do pré-escolar, recebem “5 euros à hora” e trabalham, por dia, “4 horas”, segundo o dirigente sindical. Estes profissionais são pessoas formadas, com licenciatura e até mestrado. Ouvimos uma profissional que está a leccionar as AAAF em Bragança. Não se quis identificar com medo das consequências, mas confirmou que recebem esse valor. Foi contratada por uma empresa, ao serviço da câmara, e está a recibos verdes. Trabalha das 8h às 9h e das 16h às 19h. O que recebe não dá para pagar todas as despesas, tendo que recorrer a apoio familiar. Já chegou a ter outro trabalho para conseguir ganhar mais algum dinheiro, mas tornou-se difícil e conciliar. Admite que este “não é um trabalho de futuro”, até porque, devido à falta de auxiliares, também tem que fazer esse trabalho.

8,5 euros à hora para os professores das AEC’s

Sabemos ainda que em Bragança, os professores do 1º ciclo das AEC’s estão a receber 8,5 euros à hora. São contratados por uma empresa, que foi contratada pelo município. Chegámos à falta com uma professora das AEC’s, que também não se quis identificar por medo de represálias, e admitiu que é esse o valor que recebem. “Acho que é desprezar o valor dos professores e ainda por cima tem que se passar recibos verdes, o que significa que dos 8,5 euros que recebo à hora, com os descontos recebo 6 euros. Se gastar 2 euros de gasóleo para ir para a escola, fica a 4 euros”, lamentou. Não esquecendo que muitos destes professores nem meia dúzia de horas fazem por semana. Em Novembro, estes docentes estiveram reunidos com a Câmara Municipal de Bragança que reconheceu que o valor é “baixo”, mas prometeu que no próximo ano iria ser feita uma actualização. Segundo nos disse a docente, a câmara referiu que os “8,5 euros à hora” é o mesmo que recebe um técnico do município. A diferença é que este técnico tem um contrato de trabalho e não trabalha a recibos verdes, como acontece com estes professores. “As AEC’s estão a funcionar muito mal devido à falta de professores”, afirmou. Devido à falta de docentes, há profissionais que estão a dar AEC’s de áreas que não correspondem à sua. Como é o caso de professores de Inglês estarem a leccionar Música.

Pagos como técnicos mas sem contratos

A vereadora da câmara de Bragança, com o pelouro da educação, confirmou que a autarquia contratualizou uma empresa para contratar professores. Ainda assim, apesar do que apurámos, no que aos valores pagos aos professores diz respeito, Fernanda Silva, afirmou que o valor/hora pago aos docentes “é calculado em função do valor pago a um técnico superior nas autarquias”. Confrontada com o facto de existirem ou não professores pagos a 8,5 euros à hora, Fernanda Silva disse não saber “concretamente o valor/hora” a que estão a ser pagos, mas, “certamente, não é esse valor”, sendo que “não deve haver qualquer tipo de inconformidade ou incumprimento por parte da empresa”. “Nunca nos chegou esse tipo de situação”, disse, afirmando nunca terem recebido qualquer queixa de professores e que não ter conhecimento de nenhuma “situação desta natureza”. Segundo a acta da reunião ordinária da câmara de Bragança, do dia 27 de Setembro de 2022, o município contratualizou a empresa por 530 mil euros + IVA. Questionada sobre se o valor pago à dita empresa é suficiente para os professores serão então pagos como técnicos, afirmou que sim. “Sim e, aliás, isso estava no caderno de encargos”, esclareceu Fernanda Silva. E no que toca as AAF, Fernanda Silva disse também não ter conhecimento de haver professores a ser pagos a 5 euros/hora. “O que recebem é também o correspondente ao que recebe um técnico superior”, assinalou, vincando estranhar toda esta “informação” porque “ao município nunca chegou qualquer tipo de situação menos clara”. Esclarecendo que a percepção que a câmara tem é de que “está a correr tudo bem”, a vereadora explicou não conseguir dizer- -nos o valor pago por hora porque “no procedimento de contratação feito só consta o valor mensal, que é relativo à segunda posição remuneratória de categoria de técnico superior do município, que são 1215,93 euros”. Fazendo as contas, um técnico do município, a ganhar 1215 euros e a trabalhar 35 horas semanais, o que corresponde a 140 horas por mês, recebe 8,67 euros/hora. Mas tem contrato de trabalho, ou seja, subsídios, férias e ADSE. Ainda que os professores ganhem este valor que a vereadora refere, não têm as mesmas regalias que quem tem um contrato de trabalho. Questionada sobre este ponto, Fernanda Silva disse apenas que “essa é uma relação contratual com a empresa”. A vereadora confirma ainda que a câmara reuniu com os professores em Novembro, mas nega que tenham existido queixas sobre os valores pagos e que o que foi explicado aos professores foi que iriam ser pagos conforme explicou a este jornal que o eram. Fernanda Silva também acrescentou que nesta reunião nenhum professor se queixou de ser pago a 8,5 ou 5 euros à hora. A câmara de Bragança, segundo a vereadora, optou por contratar uma empresa para fazer este serviço de contração de professores porque “foi a forma mais célere que se encontrou para dar um serviço de qualidade aos alunos”. “Atendendo ao timing, foi a estratégia que encontrámos, o que não invalida que haja uma reflexão conjunta, em articulação com os agrupamentos, podendo optar-se por outra solução”. Segundo o Ministério da Educação, até Dezembro de 2022, os professores não licenciados a trabalhar nas AEC’s devem receber consoante o índice 89, o que corresponde a uma remuneração base de 819 euros, com horário completo de 25 horas semanais, o que dá cerca de 100 horas por mês. Feitas as contas, isso traduz- -se cerca de 8,19 euros à hora. Já no caso dos professores licenciados, não profissionalizados, devem receber de acordo o índice 126, ou seja, um salário 1159 euros, que segundo a mesma lógica, dá aproximadamente 11,59 euros. Estes são os valores mínimos decretados pelo Ministério da Educação, mas que podem não estar a ser cumpridos. Como por exemplo com a professora que deu o seu depoimento ao Jornal Nordeste, que recebe 8,5 euros à hora quando deveria estar a receber, no mínimo, 11,59, quer isto dizer que está a receber menos três euros que o definido por lei. Há uns anos, a responsabilidades das AEC’s também foi das câmaras municipais e não havia valores afixados. Os municípios contratavam consoante a proposta das empresas, acabando por ganhar a que apresentasse o valor mais baixo. Segundo a dirigente sindical dos Professores do Norte, Teresa Pereira, nessa altura, houve professores a receberem “3 euros à hora”. A sindicalista espera que não se esteja a repetir a mesma situação. O município de Mirandela, tal como Bragança, contratou uma prestadora de serviços para contratar professores para as AEC’s e também as AAAF, Actividades de Animação e de Apoio à Família. De acordo com a vereadora do município, há 295 alunos do concelho a frequentar as Actividades de Enriquecimento Curricular. Vera Preto explicou que a verba que é transferida do Governo para o pagamento das despesas relacionadas com as AEC’s é gerida pelo município dentro do planeamento “de forma a dar resposta”. O município de Mirandela adjudicou a prestação de serviços das Actividades de Animação e de Apoio à Família por cerca de 41,6 mil euros. Já as Actividades de Enriquecimento Curricular por 65 mil euros. Mas afinal quanto é que recebe um professor das AEC’s em Mirandela? Quando questionada sobre isso, a vereadora disse que recebem “em média 15 euros por hora”, fora o extra que é atribuído aos docentes que leccionam em escolas distanciadas da cidade, como é o caso da de Torre de Dona Chama. “Não temos tido dificuldade em encontrar professores que leccionem neste tempo de acompanhamento às crianças e às famílias”, garantiu Vera Preto. No entanto, sabemos que há professores em Mirandela que deixaram de se candidatar às AEC’s, porque dizem que “não compensa”.

Ao preço do ouro

Em Carrazeda de Ansiães os professores das Actividades Extra Curriculares são pagos, como se costuma dizer, ao preço do ouro. O presidente da câmara, João Gonçalves, assumiu que os professores recebem 270 euros por seis horas de trabalho. Ou seja, longe do que se recebe, por exemplo, em Bragança, os professores das AEC’s estão a ser pagos a 45 euros à hora em Carrazeda. E neste concelho, também ao contrário de Bragança, é a câmara municipal que contrata directamente os docentes. “Lançámos a oferta na mesma plataforma que era utilizada pelo agrupamento de escolas, antes da transferência de competências. Mediante esse concurso, os professores que concorreram foram contratados para esses horários”, explicou o autarca, que disse que a câmara está com “algumas dificuldades” em arranjar profissionais porque o ano lectivo em que esta competência passou para as autarquias coincidiu com o facto de os professores destas actividades não poderem ser os do agrupamento de escolas e, assim, como o que está em causa são “horários muito curtos”, os professores que têm que se deslocar “acabam por não concorrer por achar pouco atractivo”. Perante o cenário, conforme esclareceu o presidente conseguiu-se apenas arranjar “parcialmente” os professores necessários para estas actividades. “Ainda temos um horário que não está preenchido”, explicou o autarca, que disse que estes docentes são do concelho e de concelhos limítrofes. Em Carrazeda há cinco professores de Actividades Extra Curriculares mas, para a câmara, não há possibilidade de integrar estes ou outros docentes nos quadros da autarquia, como fazem, segundo apurámos, outras câmaras do distrito, porque não têm outra forma de assegurar professores para as AEC’s. “Temos uma colaboradora da câmara que, nas faltas e impedimentos de outros professores, teve já que fazer esse serviço. Contudo, penso que isso não é o ideal pois o município não está suficientemente apetrechado de pessoas com formação nesses domínios e porque isso, obviamente, leva a que tenhamos que contratar mais gente, sendo que não recebemos nenhum envelope financeiro para fazer face a essa despesa”, rematou, dizendo que “se o Ministério da Educação tivesse a sensibilidade de deixar que alguns professores que leccionam nas escolas pudessem conjugar isso com as AEC’s podia facilmente resolver-se este problema”.

Câmaras garantem professores colocando-os nos quadros

No que à contratação dos professores das AEC’s diz respeito, além do que se passa em Bragança/Mirandela e em Carrazeda, há concelhos em que os professores integram os quadros das câmaras municipais. Isso mesmo está confirmado em Mogadouro, Macedo de Cavaleiros, Vimioso, Miranda do Douro, Vinhais, Vila Flor e Freixo de Espada à Cinta. Resta assim apenas saber qual é o cenário de Torre de Moncorvo e de Alfândega da Fé mas, apesar das tentativas de contacto, não foi possível, até ao fecho desta edição, chegar à fala com os respectivos presidentes de câmara. No que toca a Vila Flor, segundo esclareceu o presidente, Pedro Lima, “há um grupo bastante bom e suficiente de professores”. São nove e “pertencem aos quadros do município”. A câmara optou por esta solução porque “faz todo o sentido” e porque “fixa pessoas com formação” na terra, sendo que alguns são dali naturais. “O nosso executivo tem-se pautado pela tentativa de ter recursos contratados porque vamos sempre fixar e atrair pessoas formadas”, rematou, dizendo ainda que “as AEC’s estão em pleno funcionamento” e até há intenção de no próximo ano lectivo se introduzir “mais variedade”, nomeadamente expressão dramática. Esta competência, ao nível da educação, em Vinhais já é a autarquia que a assume há alguns anos. O mesmo sabemos que se passa, por exemplo, em Vimioso. Segundo clarificou Luís Fernandes, presidente da câmara de Vinhais, “há quatro professores que pertencem ao quadro da câmara e há um outro, o de Música, que tem uma avença”, o que também acontecia, anteriormente, quando não havia técnicos disponíveis para dar AEC’s. Desta vez a avença surgiu porque o técnico que poderia leccionar as actividades ligadas à música está com uma licença sem vencimento. O professor agora avençado é técnico da câmara e assegura ainda o funcionamento da escola municipal de música. Conforme disse o presidente, esta solução prevê que se “assegure” que todos os alunos têm estas actividades. “O facto de serem técnicos do município tem a vantagem de serem pessoas que têm em Vinhais o seu local de trabalho, sendo que não estão apenas dedicados a estas actividades”, vincou o autarca, que disse que “as AEC’s em Vinhais funcionam bem”. Freixo de Espada à Cinta é outro exemplo. Segundo o autarca Nuno Ferreira, as actividades estão a funcionar “em pleno” e com “forte adesão dos alunos”. “Quem lecciona as AEC’s do município são professores do município, são técnicos superiores, que têm qualificação de professor e que estão a dar essa mesma área educativa no agrupamento de escolas Guerra Junqueiro”, disse. Em Miranda do Douro o cenário é igual. “Os professores que estão a prestar este serviço são funcionários do município, são técnicos do município há vários anos e estão a trabalhar normalmente porque esta é uma das funções que têm”, explicou a presidente da câmara, Helena Barril, acrescentando que esta “é uma prática de há vários anos”. A autarca acredita que desta forma é “mais fácil manter as AEC’s”. Neste concelho são disponibilizadas quatro Actividades de Enriquecimento Curricular, Música, Inglês, Educação Física e Tecnologias de Informação e Comunicação. Também em Macedo de Cavaleiros, os professores que leccionam as AEC’s são funcionários do município, mas não estão nos quadros. De acordo com a vereadora do município, Sónia Salomé, esta decisão de contratar os docentes a tempo inteiro não é de agora, uma vez que no anterior mandato já era assim. O objectivo da câmara foi dar “instabilidade às famílias”, uma vez que alguns professores tinham apenas algumas horas mensais, mas também uma forma manter as gentes no concelho. “Foi também para fixarmos os nossos jovens, foi muito por aí”, frisou.

 

Jornalista: 
Carina Alves/Ângela Pais