Mamma Mia

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Ter, 10/05/2005 - 16:38


O triunfo dos ABBA apanhou-me na ressaca ideológica de discussões estéreis no cumprimento de um receituário onde a sua música entrava na arca da alienação, a par do futebol, da religião e, outras especiarias do género.

O chamado ópio do povo. As vulgatas e, urdidores de opinião esmagavam os gostos “burgueses” sem dó, nem piedade entre a bigorna e malho. Música a sério vinha de França pela voz de: Moustaki, Gainsbourg, ou do Brasil debaixo da sigla MPB, dos Estados Unidos, muito jazz e a Joan Baez, de Espanha ouvindo o Pablo Guerrero, Aguaviva e Miquel Cors, cá pelo burgo Zeca Afonso recebia estima, algum Adriano, nada mais. Muita música clássica, exceptuando-se Wagner. Baladeiros estilo Fanhais recebiam sorrisos de comiseração. Este modo de ver o Mundo estendia-se ao cinema, à literatura, às artes plásticas. O cânone que não o do Bloom, assim o determinava. Ao ouvir certos tolhos e restolhos julgarem os empenhados na militância do antes da Revolução dos cravos, tenho de sorrir devido ao seu leviano atrevimento. Desbotada e gasta a ganga ideológica, recuperei o tempo perdido ouvindo, lendo, vendo, apalpando, cheirando, apreciando outros temas e paladares, emoções e convicções. Nesse leque estão os cantores de Chiquitita. Por isso, fui ver o musical inspirado nas suas canções mais importantes. Enquanto a “acção” se desenrolava uma profusão de imagens devolveu-me os lugares de Bragança onde namorei mais ou menos torridamente na década de sessenta. O conceituado escritor e, por todos citado afirma:” nunca mais voltes aos lugares onde foste feliz”. Tenho contrariado o seu conselho, por isso quando vou a Bragança tenho de ir ao jardim do Castelo observar as rugosidades das árvores nas quais desenhei corações e nomes das amadas. Tenho de percorrer as muralhas ouvindo o som da harmonia de trovas sussurradas aos ouvidos delas, tenho ir ao São Bartolomeu sem receio privado como outrora tinha quando ousava levar a namorada até lá. Apesar da sombra pessoal dos espreitas, quais mastins invejosos não deixei de iscar beijos no jardim da floresta no meio de promessas e juras de amor eterno, nem fazer da fraqueza força quando o pai do Celas me apanhou desprevenido nas imediações de Cabeça Boa. As raivosas ciumeiras afligiam os namorados, estragavam roteiros e estendiam alçapões aos incautos. Os casais de namorados batidos pela correnteza dos dias ásperos das quatro estações do ano, bendizíamos invernais nevoeiros de dias e dias de Dezembro e Janeiro, não os incomodava o ardor do Verão, muito menos as tardes frias e chuvosas da Primavera. Acedíamos fervorosamente ao apelo: “take a chance one me”, no Jardim do Presidente António José de Almeida em dias solitários, de lá desaparecendo nas noites de verbena por causa dos ajuntamentos. Batendo sola, esperando junto às portas das igrejas o final das missas, das escolas a saída das aulas, dos colégios o tempo da “liberdade” condicional de quatro ou cinco horas, nunca desistíamos. Finda a excursão a amada recebia no ouvido palavras ternas: “ lembrarei… à hora de te vir ver na sacada os beijos dados sob a escada da capelinha…”. Actualmente estão em voga as rotas de todos os géneros de modo a turismo ser incentivado. È minha convicção reunir competências e capacidades em matéria de ordenamento de rotas dos namorados em Bragança. Muitas delas foram invadidas por urbanizações, ficou a memória. Tal como outros que não nomeio não vá ser acusado de vã leviandade, julgo deter currículo suficiente para riscar as referidas rotas desde a: de Vale d’Álvaro até à do Castelo e adjacências, passando pelas da ponte do Jorge, de São Lázaro, do Senhor dos Aflitos, da Senhora da Piedade, da estrada de Vinhais e a do trinta mais o Bairro da Estação. Milhares de raparigas, cujos nomes no ressoam familiarmente nos ouvidos: Márcia, Leontina, Susana, Ester, Margarida, Fátima, Delfina, Dirce, Rosa, Maria de qualquer coisa, Celeste, Rosalina, Inês, Dorinda, e tantas outras, muitas delas ocupando posições de relevo na sociedade portuguesa, eram bem capazes de voltarem a Bragança para durante dois ou três dias revisitarem o passado. Talvez esteja aqui um filão turístico, já que outras representações muitas vezes são perdidas sabe-se lá porquê. Nomes de rapazes, a esmo: Júlio, Manuel, Fernando, Francisco, Toninho, Eduardo, Carlos, João, José. Todos alinhariam nos passeios. Elas mais gordas, donas de cabeleiras sem cor definida, ou mais magras encavalitando os óculos entre os pómulos, eles mais barrigudos, ostentando preciosas carecas ou tufos de pêlos cinzentos, mas uns e outros interessados no prazer da rememoração dos felizes dias do passado. Senhores do mando sigam conselho amigo: deixem usar a memória. A memória das memórias. Milhares de estudantes viveram tempos de beatitude em Bragança, mesmo quando o pato assado só ossos mostrava, a carteira estava vazia e na cama pululavam percevejos. Ficam avisados: estou pronto para a tarefa. E, está na altura de ir ouvir: “The Winner takes it all”. Mamma Mia.