“Era preciso pensar em algum desagravamento das taxas fiscais em Bragança”

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Ter, 10/01/2023 - 14:54


Fernando Peixinho, economista e Revisor Oficial de Contas, em entrevista ao Jornal Nordeste, fala do impacto da inflação em Trás-os-Montes e apresenta algumas soluções governamentais que deviam ser tomadas para favorecer as regiões do Interior

Numa região como Trás-os-Montes, onde o sector primário é a base da economia, de que forma é que a inflação vai prejudicar a população em geral?

A inflação é sempre um problema com várias dimensões e, no meu ponto de vista, é talvez dos factores mais perturbadores do funcionamento da economia, porque há uma subida generalizada de preços que não é fácil de refletir depois nos produtos que se vendem e isso faz com que os custos de produção se tornem mais elevados e as margens do negócio diminuam. Além disso, tem ainda outra agravante que é a de as pessoas que desenvolvem atividades económicas, quando dão conta, os seus resultados, para além de diminuírem do ponto de vista nominal ou monetário, são mais elevados e acabam por ter até uma subtributação. Portanto, acho que deveria haver uma preocupação dos governos, particularmente do nosso Governo, para que nestas zonas mais desfavorecidas, onde os impactos da inflação podem até criar maiores dificuldades de ultrapassar, devia haver alguma discriminação no sentido de haver o desagravamento das taxas fiscais ou eventualmente, em alguns casos, algum tipo de subsídios para apoiar a aquisição de matérias-primas e de outros factores de produção. Na realidade actual, com o aumento das taxas de juro, a capacidade aquisitiva das famílias e das empresas, vai provocar situações de desemprego, vai honorar as despesas do Estado com os subsídios que é necessário pagar às pessoas que ficam desempregadas e, portanto, tudo isso devia fazer pensar e antecipar essas situações no sentido de procurarem minimizar estes impactos, sobretudo ao nível do desemprego. E, portanto, quando temos um crescimento negativo, isto reflete-se no aumento do desemprego, na diminuição dos níveis de consumo, na diminuição dos níveis de investimento e tudo isso, mais tarde, tem consequências sociais que são naturalmente graves e trágicas para algumas pessoas que ficam sem emprego e sem condições para continuar a manter aquilo que era a sua vida.

Qual seria a solução para a região conseguir contornar o problema?

Os governos, depois de nós termos aderido à União Europeia e de estarmos integrados no Espaço Europeu, têm fundamentalmente como medidas de política, as chamadas “medidas orçamentais”, que assentam fundamentalmente na cobrança de impostos e depois na afetação desses impostos, aquilo a que se chama as “políticas publicas”. Mas, na realidade, nunca houve políticas de desenvolvimento para as regiões desfavorecidas e as regiões do interior. Porque na realidade, se repararmos, o processo de desertificação a que temos assistido ao longo dos últimos 30 anos, não tem sido combatido com a construção de estradas e de infraestruturas. É preciso criar aqui centros de decisão e centros que fixem pessoas e isso só se consegue através da criação de empresas e da criação de actividades.

Devia haver políticas diferentes para o Interior e para o Litoral no que toca à atribuição de impostos diz respeito?

Quando os investidores estrangeiros chegam a Portugal e se querem instalar em Lisboa, no Porto ou na faixa litoral do país, o Estado devia incentivar e dar condições a essas empresas para que, em alguns casos, elas se pudessem instalar no Interior. Há ainda a questão das medidas de política fiscal. As pessoas que moram em Bragança, Vila Real, Guarda, Castelo Branco, Portalegre ou Beja, são pessoas que pagam exactamente os mesmos impostos das pessoas que estão no Litoral. No entanto, essa população não beneficia das mesmas coisas que as pessoas que estão no litoral, nomeadamente uma rede de transportes públicos, ou a questão do ensino ou da saúde. Portanto, pagamos os mesmos impostos e não temos os mesmos retornos e aquilo que eu entendo é que as políticas deviam ser feitas por um Governo que quisesse criar condições para que o Interior se pudesse sustentar de uma forma melhor e garantir a manutenção de níveis de densidade demográfica melhores do que aqueles que temos. Era preciso criar políticas fiscais que dessem benefícios às pessoas que se fixassem no Interior e benefícios às empresas que se fixassem no território, como forma de repovoar estas zonas.

A adopção de um modelo de economia circular não podia ser uma vantagem para a região?

A questão da economia circular tem mais a ver com preocupações de natureza ambiental e de sustentabilidade. Eu acho que esse é um dos problemas que está na agenda de todos os países, mas para o qual não tem havido decisões que objectivamente façam diminuir os impactos do aquecimento global e dos problemas de desequilíbrio que hoje se verificam a nível de praticamente todos os ecossistemas. Eu acho que podemos e devemos iniciar e implementar políticas que estimulem o reaproveitamento dos recursos e que se consiga, com isso, diminuir o uso de recursos que são finitos. Estamos a viver num tempo em que as questões ambientais são provavelmente as questões mais prioritárias para podermos garantir a sustentabilidade do planeta, a sustentabilidade dos ecossistemas e a sustentabilidade das nossas economias. Um dos passos que deve ser dado é no sentido de reciclarmos tudo aquilo que usamos, reciclarmos tudo o que hoje consideramos ser lixo e que pode perfeitamente ser reaproveitado e reintroduzido nos circuitos normais de produção e de consumo.

Esse reaproveitamento dos recursos seria benéfico para a economia?

Sim. Do ponto de vista da inflação, não me parece que isso pudesse ter grandes efeitos, ou qualquer efeito até, mas há coisas que podiam ser benéficas para a nossa economia. Temos uma floresta que, para além de ser desordenada, é uma floresta que não está limpa. Todo o material que está nas florestas é matéria de combustão, aquilo que nós chamamos vulgarmente “combustíveis”. Portanto, se são combustíveis produzem energia e aquela energia que normalmente é produzida quando há os incêndios nos picos do verão, é energia que se dissipa e que vai ainda provocar mais desequilíbrios ao nível do nosso sistema ambiental, porque provoca aquecimento. Se aproveitássemos através da limpeza dessas florestas toda essa energia para produzir energia limpa que fosse consumida pelas pessoas, pelas empresas e se diminuísse significativamente o risco de incêndios, seguramente que estaríamos a contribuir também, no âmbito daquilo que é a economia circular, para melhorar a eficiência ponto de vista do aproveitamento dos recursos e eficiência do ponto de vista do ambiente.

Jornalista: 
Daniela Parente