Acerca do "Mercado de Stocks”

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Ter, 12/04/2005 - 17:47


Com o propósito de proporcionar aos comerciantes da região, ligados ao sector do vestuário, calçado e acessórios, a oportunidade de escoar os artigos pertencentes à colecção Outono/ Inverno, o Núcleo Empresarial da Região de Bragança, vulgo NERBA, associado à empresa (forasteira) Zilhão de Abreu, promoveu, nas próprias instalações, nos dias 5 e 6 de Março, o certame designado “Mercado de Stocks”.

É sabido que o sucesso ou o fracasso duma iniciativa dependem dos objectivos previamente estabelecidos e delineados por parte de quem a corporiza. Sendo que o produto final de tal idealização é concebido tendo em linha de conta os seus destinatários: os comerciantes e os consumidores, neste caso.
Nesta perspectiva, se o objectivo da organização era, na lógica da quantidade, conseguir o maior número de “ visitantes/ aderentes”, a aposta foi ganha. O sucesso, pelo menos o de bilheteira, excedeu todas as expectativas. Afinal, trinta mil pessoas, a desembolsar um euro cada, mais o dinheiro realizado pelo espaço vendido aos lojistas, é, verdade seja dita, um encaixe de verba significativamente precioso, para uma instituição vista, por muitos, como mais um Elefante Branco da cidade.
Na qualidade de consumidor, permito-me discordar do sucesso reclamado, por entender que o espírito deste acontecimento – salvaguardar os interesses dos comerciantes, ajudando-os a desfazerem-se dos “monos”, como diria o meu amigo Vitorino, e, por sua vez, fazer com que os consumidores os adquirissem por preços simpáticos – foi desvirtuado.
Na condicionante “preço de chuva”, tirando um caso ou outro, não se fugiu muito à verdade; contudo, por oposição, foi defraudado o objectivo da transacção de mercadorias que haviam ficado nos escaparates das lojas. Ou seja, houve feirantes, das mais diversas paragens, que aproveitaram o momento não para despachar a mercadoria pertencente aos ditos stocks, mas para vender artigos trazidos directamente das fábricas.
Movido pela curiosidade em saber a razão da quase total ausência dos comerciantes de Bragança nesta feira – sabendo-se que o momento é difícil, devido à crise económica, de consequências gerais –, fui à procura de respostas, no pressuposto de que nada acontece ao acaso, e que há sempre uma explicação para tudo.
Os comerciantes locais, principalmente os do sector do vestuário, dividem-se em dois tipos: os que gerem o próprio negócio com total autonomia, sem prestar “ vassalagem” a quem quer que seja, assumindo despesas e lucros por sua conta e risco; e os que pertencem à nova vaga de empresários, “ prisioneiros” das grandes e afamadas marcas multinacionais, cuja natureza do vínculo é a figura do Franchising, sistema de contrato que implica vender à consignação: produto que não se vende, é devolvido à proveniência.
Como se pode ver, para estes últimos, porque não há stocks, a iniciativa do NERBA não tem qualquer interesse. Para os comerciantes da Praça, aqueles que, no bom sentido do termo, representam o verdadeiro Comércio Tradicional, de um modo geral, pelo que me apercebi, são três as justificações para a falta de comparência: segundo alguns, não faz sentido a realização do “Mercado”, quando a nova colecção Primavera/Verão está nas montras – situação que configura o caso clássico de concorrência desleal. Outro argumento tem a ver com a posição dos comerciantes face à “Estrutura Associativa” NERBA. Poucos são, pelo menos com quem eu falei, os que nela se revêem. Sentimento oposto em relação à Associação Comercial, perante quem “respondem” e a quem pagam as cotas, como associados. A última razão, que é pessoal, diz respeito à figura do responsável pelo Departamento de Feiras, elemento mal – amado, e que não goza de muita simpatia.
Outro aspecto infeliz a apontar à organização deste evento, além da ideia oportunista de cobrar bilhete à entrada, como se de um espectáculo se tratasse, foi o ambiente pouco acolhedor e desconfortável do próprio recinto da feira. Visitantes e lojistas, mais os segundos do que os primeiros, porque nós estávamos de “passagem”, tiveram de suportar dois dias de frio desagradável, por o espaço concebido para o efeito não contemplar qualquer tipo de aquecimento.
A salvo da crítica não fica, também, o sistema sonoro. O som musical, que nestas ocasiões é suposto ser de “ambiente”, pelo efeito relaxante que produz nas pessoas, era de tal maneira estridente – situação só comparável às lojas do nosso Fórum Theatrum – (talvez num tamanho XXL), que dificultava o diálogo entre quem queria comprar e quem queria vender.
Apesar dos imponderáveis mencionados, igualmente como consumidor e bragançano, penso que este género de iniciativas é bem-vindo e faz sentido. Porém, para que seja reconhecida a sua utilidade, é de suprema importância não viciar as regras do jogo, evitando, assim, que se pense estarem os interesses privados sobrepostos aos colectivos – não me refiro, como é evidente, a dividendos materiais, mas aos decorrentes de caprichos obsessivos, evidenciados, por exemplo, nas palavras dum famigerado elemento da organização, em entrevista ao Jornal Nordeste, na edição de 1 de Março de 2005: «como não quiseram participar (entenda-se empresários de Bragança), tivemos de abrir as portas aos (…) de fora»; e, por outro lado, que os principais interessados, (a meu ver, os comerciantes da terra), tenham uma palavra a dizer, relativamente à forma, à estratégia e aos objectivos a alcançar.
Certamente que o presidente do NERBA cessante, Sr. Jorge Gomes, porque pessoa bem formada, inteligente, idónea, empreendedor, de visão ampla e aberto à crítica, há-de reconhecer a inevitabilidade de tais procedimentos.
Ao contrário do que pensam alguns arautos do pessimismo, sou da opinião que o pavilhão do NERBA, pela sua grandiosidade e localização, se afigura como sendo o palco capaz de assegurar a realização dos mais vistosos projectos, seja qual for a natureza do espectáculo ou do acontecimento. Daí acreditar, caso seja convenientemente rentabilizada, no carácter funcional e na viabilidade desta infra – estrutura.