Os nossos demónios somos nós

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Ter, 30/04/2019 - 09:35


Diversas são as designações, mas desde tempos primordiais que as comunidades humanas, culturas e civilizações, integraram, na sua relação com o mundo, a suspeita da existência de entidades promotoras do mal, da dissensão e da desordem, sempre dispostas para a gargalhada tenebrosa sobre os despojos, o cheiro do sangue fresco, a miséria, a fome, a peste, o desespero.

São os demónios, que foram deixando marcas indeléveis na urdidura do tempo e que, pelos vistos, continuam diligentes, surgindo a todo o momento nas esquinas da vida, quando tentamos desprezar os recantos sombrios do medo, do desamparo e da incapacidade de nos explicarmos a nós próprios.

Não parece termos vontade para iniciar a construção de uma humanidade alicerçada na inteligência, trabalho hercúleo de persistência e sacrifício, mas também de serenidade, que exige tempo para consolidar mudanças necessárias, que passam por uma educação orientada pela razão, por uma política voltada para a elevação da condição humana, por uma economia que garanta a equidade e, principalmente, pelo respeito pelos outros e pela natureza.

Se nos dermos um tempo para pensar, curto que seja, retirado às rotinas a que nos acomodámos, facilmente concluiremos que temos vivido na esperança vã de que o mundo chegará por si só à plenitude do paraíso terreal. Por isso, não devíamos espantar-nos perante a irracionalidade que reaparece constantemente, difusa ou em todo o seu esplendor.

Na Páscoa voltámos a sentir os efeitos de acções diabólicas no Sri Lanka, numa sequência interminável a que já nos habituámos enquanto acontece ao longe, mas que, bem sabemos, nos pode tocar pela porta a qualquer momento, embora alguns tentem iludir a essência do problema e alimentem dúvidas pouco metódicas sobre os reais agentes do terror sanguinário.

Assim só se contribui para tolher a capacidade de discernimento, regando as flores do mal. Foi ridículo ver jornalistas e comentadores a insistir, durante mais de um dia, no enviesamento das responsabilidades pelos atentados, apontando para os budistas, que também terão os seus pecados, mas que não se têm revelado historicamente adeptos de massacres, quando tudo indicava que os métodos era típicos do terrorismo islâmico. Três dias depois, lá veio a habitual reivindicação sarcástica, verdadeiro gozo com a venalidade dos cobardes.

Entretanto, continua a saga da recuperação política do autoritarismo, do passadismo, até do racismo, também por esta Europa, numa onda que cresce e promete varrer todos os puros de coração que acreditaram na promessa de que dominariam a terra.

Paradoxalmente     ninguém

parece preocupado com o que pode vir a acontecer neste jardim ocidental, que devia guardar memórias nítidas das tragédias que já viveu, mas que prefere a ilusão de que a História se pode apagar por artes mágicas.

Na verdade, os nossos demónios somos nós mesmos, quando preferimos a irracionalidade, quando vivemos para o imediato, sem preparar um futuro de coesão e solidariedade.

 Teófilo Vaz