Honra a Adriano

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Ter, 22/03/2016 - 10:41


As dificuldades que sentimos levam-nos, muitas vezes, a praguejar contra a sorte e o mundo. Consideramo-nos desprezados até pelo criador, que nos terá, também ele, relegado para o horizonte do olho traseiro de Judas, o que, no comum imaginário cristão, é mesmo dos lugares piores de toda a criação.
No entanto, também temos dias mais promissores, que queríamos ver perpetuados por gerações infindas, porque continuamos a acreditar que o nosso destino não é o mergulho definitivo no esquecimento infernal.
No passado fim-de-semana voltou à terra, mais uma vez, Adriano Moreira, na jovialidade das suas mais de nove décadas de vida. Ouvi-lo é sempre importante, porque é um nordestino com muito mundo, mas principalmente porque é uma fonte de sabedoria, fundamental para que, apoiados nela, possamos participar na construção de um futuro de que não venhamos a sentir eterna vergonha.
Quando nos media pontificam opinantes que tratam quase sempre do bacalhau demolhado, vale a pena partilhar contributos que nos elevam à condição de observadores reflexivos, abertos à incerteza, mas decididos a lidar com ela com a serenidade que suporta a razão e não faz afundar os valores da civilização.
No transe que vivemos nesta Europa, que se assemelha a um conto de terror, valeria a pena que as suas reflexões fossem ouvidas nos corredores de Bruxelas, de Londres, de Berlim, mas também na Paris, agora esverdeada de medo e cinzenta de resignação, quando nos habituámos a querê-la como a luz de um mundo saído para sempre das trevas.
Desta vez, o professor trouxe também à reflexão a falta de visão estratégica que tem marcado a acção do poder político português relativamente a essa pátria que é a língua, hoje marca distintiva de mais de duzentos e cinquenta milhões de cidadãos deste mundo.
Falar disto em Bragança até poderá ser objecto de espanto para os croniqueiros lisboetas que, aliás, fazem gala em continuar a preocupar-se principalmente com as pequenas/grandes intrigas da capital deste novo reino da Barataria.
Mas, na realidade, o “descaso”, como lhe chamou, é um erro estratégico de que poderá não haver retorno, para mal dos legados fundamentais de Camões, Vieira, Pessoa, Vergílio e os mais que marcaram em português a cultura mundial.
Pelo menos Adriano não se perdeu nas calmarias lúgubres dos últimos tempos. Sugeriu ventos salvíficos, que também podem soprar a partir desta nossa terra. De facto, a proposta de instalação de um museu da língua portuguesa em Bragança partiu dele, reflectindo não só o seu sentido de oportunidade mas, principalmente, a reivindicação de um direito histórico que as raízes podem impor às flores que delas resultam tempos fora.
O projecto tem sido apoiado por instituições de reconhecido mérito científico e cultural, por criadores literários e também por responsáveis políticos locais. Falta agora que a voraz capital não se assenhore da ideia, como já aconteceu com as máscaras típicas do nordeste, como se fosse possível meter-nos numa qualquer rua da Betesga.
Fica a honra ao mérito de quem tem dado contributos inestimáveis à elevação da sua terra, do mundo e da condição humana.

Por Teófilo Vaz