Do interior, do fogo e das cinzas

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Ter, 01/08/2017 - 10:06


Um calo de muitos anos não nos deixa saltar de contentamento quando ouvimos, de vez em quando, novas promessas de atenção ao interior do país.
Por isso, de forma espontânea, franzimos o sobrolho, enquanto uma raiva, próxima do desprezo, nos leva a manter-nos mudos e quedos, como se nada tivéssemos ouvido, porque sabemos que alimentar esperanças de reversão da política miserável que nos trouxe até aqui é uma verdadeira tolice.
Mudam as cores, mas a insânia parece ter alastrado como a peste. No fim de contas, estamos à mercê de gestores do imediato, que exercitam a finta mas não procuram o golo que muda o resultado.
Estamos cansados da arenga com que vão tentando adormecer-nos o ímpeto e a coragem para escaqueirar a loja de quinquilharia em que se foi tornando a política do país, com efeitos desastrosos para três quintos do território. 
Quando, há cerca de um ano, foi lançada a Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior, alguns não deixámos que nos tomassem por lorpas, tornando claro que estávamos atentos às manobras de diversão. Até agora a acção da tal unidade de missão foi coisa nenhuma, apesar da festa de mais de centena e meia de medidas, anunciadas como formas de dar um mínimo de dignidade aos que resistem a amontoar-se alegremente no litoral, pressentindo a tragédia que o futuro nos poderá reservar.
Entretanto, por entre a fumaça que, no centro do país, chamou à atenção da NASA, passou quase despercebido o abandono da coordenadora da unidade de missão, Helena de Freitas. Naturalmente, as declarações que, até agora, se lhe conhecem relativamente à demissão, enquadram-se na anódina simpatia do politicamente correcto, iludindo, talvez a constatação de que não a tinham chamado para mudar o que quer que fosse. Pior, a unidade de missão, no momento das consequências do fogo avassalador, terá servido para um canhestro passe da mágica: passou a ter a sua sede em Pedrógão Grande, a cerca de sessenta quilómetros da costa atlântica, como se o interior se pudesse confundir com a mancha desgraçada de matas de eucalipto e pinheiro manso que substituíram a paisagem humanizada que, ainda não há muito tempo, caracterizava o centro oeste do território.
Até poderíamos arriscar que, com esta decisão, os responsáveis governamentais poderão estar a dizer-nos que o interior estará condenado a arder, para que depois se definam políticas para o território. Mas então, sobre as cinzas já nada haverá a fazer. Assim se cumprirá o desígnio diabólico de reduzir o país à faixa de areia e sal, de anafado e vil provincianismo, ao sabor das modas de um mundo sem rumo, sem referências e sem futuro.
A senhora ainda teve vergonha na cara, o que não parece acontecer com a liderança governamental, que considerará que “ para quem é, bacalhau basta”. Provavelmente terá razão porque, afinal, continua tudo sereno, como o entardecer nos cemitérios.

Teófilo Vaz