A cidade e o individualismo caprichoso

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Ter, 21/03/2017 - 10:15


A renovação anunciada para Bragança, um investimento que atinge 25 milhões de euros, pode ficar prejudicada pela permanência de um verdadeiramente incómodo e despropositado mastodonte na Avenida João da Cruz, a fábrica de moagem que ensombra quase dois terços da extensão da via, no lado poente.
Uma das expressões da civilização é o conceito de cidade, que corresponde a uma realidade complexa, construída ao longo de mais de quatro mil anos, num percurso difícil, correndo o risco de retorno à barbárie, mas garantindo conquistas que tornaram o Homo Sapiens no protagonista dessa coisa inédita que é a humanidade.
O conceito atingiu os contornos fundamentais no período grego clássico, quando a polis já correspondia ao conjunto do espaço urbano, mas principalmente ao conjunto das interacções sociais, económicas, culturais e sentimentais, à partilha de esperanças e ao sentido de solidariedade na construção do destino colectivo.
Os romanos chamaram-lhe civitas e lançaram sementes que medraram do ocidente europeu até às estepes da ásia central, com fulgor especial em toda a orla do Mediterrâneo.
Sim, depois houve cerca de sete séculos de decadência, quando as referências quase se diluíram no caos. Mas, as raízes não morreram e a civilização pôde retomar o caminho, com as cidades a consolidarem o seu papel na história.
Naturalmente, não foi um caminho linear, porque a natureza tem os seus próprios ritmos que, muitas vezes, não se compadecem com os ideais dos homens. Também as eflorescências de caprichos individuais podem pôr em causa o interesse colectivo.
Sem formular juízos sobre os projectos apresentados pelo município, cabe, no entanto, questionar, a manutenção de um verdadeiro mamarracho, decrépito, sem que os proprietários demonstrem qualquer preocupação, nem sequer mostrem disponibilidade para viabilizar projectos, privados ou públicos, que permitam explorar as potencialidades do espaço.
Certamente ninguém põe em causa os direitos de propriedade, mas a responsabilidade cívica deveria sobrepor-se aos interesses do foro pessoal, de modo a que não se descarreguem os escombros inestéticos na sala de visitas da cidade.
Sabe-se que já houve empresas privadas que tentaram negociar, sem sucesso, a compra do terreno, para realizar projectos que poderiam trazer dinamismo àquela zona. Por isso, também se deveria analisar a possibilidade de intervenção do município para defender o interesse público, promovendo a aquisição, com justa compensação para os proprietários, de modo a não deixar correr a inércia caprichosa, ou mesmo a propensão para a especulação, com resultados gravosos para a cidade.
Os responsáveis municipais não deveriam assistir passivamente a situações como esta. Pelo contrário, esperar-se-iam decisões tempestivas de orientação estratégica relativamente ao edificado e às suas condições de utilização ou degradação. A legitimação que lhes confere a vontade popular impõe que não permitam a multiplicação de exemplos do género.

Por Teófilo Vaz